Alguns anos atrás, a câmara municipal de Monza, na Itália, proibiu os donos de animais de estimação de manter peixinhos dourados em globos de vidro. O proponente da medida justificou-a em parte argumentando que seria cruel manter um peixe dentro de um aquário com paredes curvas porque, ao olhar para fora, o animal teria uma visão distorcida da realidade. Mas como sabemos que nós temos a imagem verdadeira da realidade, sem distorções? Não poderíamos viver em um vasto globo de vidro e ter uma visão inteiramente deformada por uma imensa lente? A visão de mundo do peixinho dourado é diferente da nossa, mas como podemos ter certeza de que ela é menos real?
A visão do peixinho dourado não é a mesma que a nossa, mas ele poderia formular leis científicas que governassem o movimento dos objetos que observa fora do seu aquário. Por exemplo, devido à distorção, um objeto movendo-se livremente, que vemos deslocara-se em linha reta, seria observado pelo peixe descrevendo uma trajetória curva. Apesar disso, o peixe poderia formular, a partir do seu referencial distorcido, leis científicas que sempre seriam válidas e que lhe permitiriam fazer previsões sobre o movimento futuro de objetos fora do aquário. Suas leis seriam mais complicadas do que aqueles em nosso referencial, mas simplicidade é uma questão subjetiva. Se um eixinho dourado formulasse tal teoria, seríamos obrigados a admitir que a visão de mundo de um peixinho dourado é uma imagem válida da realidade.
Um exemplo famoso de diferentes quadros da realidade é o modelo introduzido por Ptolomeu (c.85-c.165) por volta de 150 d.C. para descrever o movimento dos corpos celestes. Ptolomeu publicou seu trabalho em um tratado d treze livros comumente conhecido por seu título em árabe, Almagesto. O Almagesto começa explicando as razões para se acreditar que a Terra é esférica, imóvel, posicionada no centro do universo, e de tamanho desprezível quando comparada às distâncias dos céus. Apesar do modelo heliocêntrico de Aristarco, tais crenças eram sustentadas pela maioria dos gregos cultos ao menos desde a época de Aristóteles, que propunha razões místicas para que a Terra ocupasse o centro do universo. No modelo de Ptolomeu, a Terra permanecia no centro e os planetas e estrelas moviam-se ao seu redor em órbitas complicadas envolvendo epiciclos, como rodas dentro de rodas.
O universo Ptolomaico. Na visão de Ptolomeu, vivemos no centro do universo.
Esse modelo parece natural porque não sentimos a terra se mover debaixo de nossos pés (exceto durante terremotos ou momentos de paixão). A erudição européia posterior baseava-se nas fontes gregas transmitidas, e assim as idéias de Aristóteles e Ptolomeu tornaram-se a base de boa parte do pensamento ocidental. O modelo ptolomaico do cosmos foi adotado pela Igreja Católica, que fez dele sua doutrina oficial por quase 1.400 anos. Foi somente em 1543 que um modelo alternativo foi apresentado por Copérnico em seu livro De revolutionibus orbium coelestium (“Da revolução das esferas celestes”), publicado somente no ano de sua morte (embora ele tenha trabalhado nesta teoria por várias décadas).
Copérnico, do mesmo modo que Aristarco dezessete séculos antes, descrevia um mundo no qual o Sol encontrava-se em repouso no centro e os planetas revolviam ao seu redor em órbitas circulares. Embora a idéia não fosse nova, seu resgate enfrentou uma resistência exaltada. Afirmou-se que o modelo copernicano contradizia a Bíblia, interpretada como se afirmasse que os planetas moviam-se ao redor da Terra, muito embora jamais faça essa asserção explicitamente. De fato, na época em que ela foi escrita, acreditava-se que a Terra era plana. O modelo copernicano resultou em um furioso debate em torno da hipótese de a Terra encontrar-se em repouso, culminando, em 1633, no julgamento por heresia de Galileu, por advogar a favor desse modelo e por acreditar “que se pode sustentar e defender como provável uma opinião que foi declarada e definida como contrária às Sagradas Escrituras”. Ele foi considerado culpado, confinado em prisão domiciliar pelo resto de sua vida, e forçado a se retratar. Conta-se que ele murmurou entre os dentes: “Eppur si muove” (“Mas ela se move”). Em 1992, a Igreja Católica Romana finalmente reconheceu seu erro ao ter condenado Galileu.
Então, qual deles é real, o sistema ptolomaico ou o copernicano? Embora muitas vezes se diga que Copérnico provou que Ptolomeu estava errado, isso não é verdade. Como no caso dos dois pontos de vista, o nosso e o do peixinho dourado, ambos os cenários podem ser usados como um modelo do universo, pois nossas observações podem ser explicadas tanto supondo que a Terra esteja em repouso quanto o Sol. Apesar do seu papel em debates filosóficos sobre a natureza do universo, a vantagem real do sistema copernicano é que as equações de movimento são muito mais simples com um referencial no qual o Sol esteja em repouso.
Um tipo distinto de realidade alternativa aparece no filme de ficção científica Matrix, no qual os humanos vivem sem saber, dentro de uma realidade virtual simulada criada por computadores inteligentes, que os mantêm calmos e contentes enquanto sugam sua energia bioelétrica (seja lá o que isso signifique). Talvez esse quadro não seja absurdo, porque tem muita gente que prefere passar o tempo na realidade simulada de jogos como o Second Life. Como saber se não passamos de personagens de uma novela criada por um computador? Se vivêssemos em um mundo imaginário sintético, os eventos não teriam necessariamente uma lógica ou consistência, ou obedeceriam a quaisquer leis. Os alienígenas no controle poderiam achar mais interessante ou divertido ver nossas reações, por exemplo, se a lua cheia fosse partida ao meio, ou se todo mundo seguindo dieta desenvolver um desejo incontrolável por torta de banana. Mas, se os alienígenas impusessem leis consistentes, não teríamos como saber se há outra realidade por detrás da simulada. Seria fácil chamar o mundo no qual vivem os alienígenas de “real” e o mundo sintético de “falso”. Mas se – como nós – os seres no mundo simulado não pudessem observar seu universo pelo lado de fora, não haveria razão para duvidarem de seu próprio quadro da realidade. Essa é uma versão moderna da idéia de que somos fragmentos do sonho de outro alguém.
Esses exemplos conduzem-nos a uma conclusão importante neste livro: Não há conceito da realidade independente de um quadro ou de uma teoria. Em vez disso, adotamos uma abordagem que denominaremos realismo dependente do modelo: a idéia de que uma teoria física ou uma imagem de mundo é um modelo (geralmente de natureza matemática) e um conjunto de regras que conectam elementos do modelo às observações. Isso fornece um quadro com o qual interpretar a ciência moderna.
Os filósofos desde Platão têm discutido sobre a natureza da realidade. A ciência clássica baseia-se no pressuposto de que há um mundo real exterior, cujas propriedades são definidas e independentes do observador que as percebe. Segundo a ciência clássica, certos objetos existem e têm propriedades físicas, tais como velocidade e massa, com valores bem-definidos. Dentro dessa visão, nossas teorias são tentativas de descrever esses objetos e suas propriedades, e nossas medidas e percepções correspondem a elas. Tanto o observador como o observado são partes de um mundo que tem existência objetiva, e qualquer distinção entre eles não possui importância significativa. Em outras palavras, se vemos um bando de zebras brigando por uma vaga no estacionamento, é porque há realmente um bando de zebras brigando por uma vaga no estacionamento. Todos os outros observadores medirão as mesmas propriedades, e o bando terá aquelas propriedades quer alguém as observe ou não. Em filosofia, essa crença é denominada realismo.
Embora o realismo possa ser um ponto de vista tentador, como veremos mais tarde, o que conhecemos sobre física moderna torna-o dificilmente defensável. Por exemplo, de acordo com os princípios da física quântica, que é uma descrição precisa da natureza, uma partícula não tem nem uma posição, nem uma velocidade definida, a não ser e até que essas quantidades sejam medidas por um observador. Portanto, não é correto dizer que uma medida fornece um certo resultado porque a quantidade mensurada tinha aquele valor no momento da medida. De fato, em alguns casos, objetos individuais nem sequer têm uma existência independente, existindo apenas como parte de um conjunto de muitos objetos. E, se uma teoria denominada princípio holográfico estiver correta, nós e nosso mundo quadrimensional somos sombras na fronteira de um espaço-tempo maior, de cinco dimensões.
Os realistas mais rígidos frequentemente argumentam que a prova de que as teorias científicas representam a realidade está no seu êxito. Mas diferentes teorias podem descrever com sucesso os mesmos fenômenos, embora dentro quadros conceituais díspares. De fato, muitas teorias científicas que se mostraram bem-sucedidas foram posteriormente substituídas por outras, igualmente exitosas, mas baseadas em conceitos da realidade inteiramente novos.
Tradicionalmente, aqueles que não aceitavam o realismo foram chamados de antirrealistas. Os antirrealistas propõem uma distinção entre conhecimento empírico e conhecimento teórico. Em geral, argumentam que a observação e o experimento são importantes, mas que as teorias não são mais do que instrumentos úteis que não incorporam qualquer verdade profunda subjacente ao fenômeno observado. Alguns antirrealistas propuseram mesmo restringir a ciência somente a coisas que podiam ser observadas. Por esse motivo, no século XIX, muitos cientistas rejeitaram a idéia de átomos, com base no fato de que jamais poderiam ser vistos. George Berkeley (1685-1733) chegou ao ponto de afirmar que não existia nada senão a mente e suas idéias. Reza a lenda que, quando um amigo assinalou ao autor e lexicógrafo Samuel Johnson (1709-1784) que a proposição de Berkeley não poderia ser refuta, a resposta de Johnson foi dirigir-se a uma grande pedra, chutá-la e proclamar: “Eu acabei de refutá-la.” É claro que a dor que Johnson sentiu em seu pé também foi produzida em sua mente, e desse modo não conseguiu refutar com sucesso as idéias de Berkeley. Mas esse ato ilustrou o ponto de vista do filósofo David Hume (1711-1776), que assinalou que, mesmo que não haja bases racionais para acreditar em uma realidade objetiva, também não temos outra escolha senão agir como se ela existisse.
Copérnico, do mesmo modo que Aristarco dezessete séculos antes, descrevia um mundo no qual o Sol encontrava-se em repouso no centro e os planetas revolviam ao seu redor em órbitas circulares. Embora a idéia não fosse nova, seu resgate enfrentou uma resistência exaltada. Afirmou-se que o modelo copernicano contradizia a Bíblia, interpretada como se afirmasse que os planetas moviam-se ao redor da Terra, muito embora jamais faça essa asserção explicitamente. De fato, na época em que ela foi escrita, acreditava-se que a Terra era plana. O modelo copernicano resultou em um furioso debate em torno da hipótese de a Terra encontrar-se em repouso, culminando, em 1633, no julgamento por heresia de Galileu, por advogar a favor desse modelo e por acreditar “que se pode sustentar e defender como provável uma opinião que foi declarada e definida como contrária às Sagradas Escrituras”. Ele foi considerado culpado, confinado em prisão domiciliar pelo resto de sua vida, e forçado a se retratar. Conta-se que ele murmurou entre os dentes: “Eppur si muove” (“Mas ela se move”). Em 1992, a Igreja Católica Romana finalmente reconheceu seu erro ao ter condenado Galileu.
Então, qual deles é real, o sistema ptolomaico ou o copernicano? Embora muitas vezes se diga que Copérnico provou que Ptolomeu estava errado, isso não é verdade. Como no caso dos dois pontos de vista, o nosso e o do peixinho dourado, ambos os cenários podem ser usados como um modelo do universo, pois nossas observações podem ser explicadas tanto supondo que a Terra esteja em repouso quanto o Sol. Apesar do seu papel em debates filosóficos sobre a natureza do universo, a vantagem real do sistema copernicano é que as equações de movimento são muito mais simples com um referencial no qual o Sol esteja em repouso.
Um tipo distinto de realidade alternativa aparece no filme de ficção científica Matrix, no qual os humanos vivem sem saber, dentro de uma realidade virtual simulada criada por computadores inteligentes, que os mantêm calmos e contentes enquanto sugam sua energia bioelétrica (seja lá o que isso signifique). Talvez esse quadro não seja absurdo, porque tem muita gente que prefere passar o tempo na realidade simulada de jogos como o Second Life. Como saber se não passamos de personagens de uma novela criada por um computador? Se vivêssemos em um mundo imaginário sintético, os eventos não teriam necessariamente uma lógica ou consistência, ou obedeceriam a quaisquer leis. Os alienígenas no controle poderiam achar mais interessante ou divertido ver nossas reações, por exemplo, se a lua cheia fosse partida ao meio, ou se todo mundo seguindo dieta desenvolver um desejo incontrolável por torta de banana. Mas, se os alienígenas impusessem leis consistentes, não teríamos como saber se há outra realidade por detrás da simulada. Seria fácil chamar o mundo no qual vivem os alienígenas de “real” e o mundo sintético de “falso”. Mas se – como nós – os seres no mundo simulado não pudessem observar seu universo pelo lado de fora, não haveria razão para duvidarem de seu próprio quadro da realidade. Essa é uma versão moderna da idéia de que somos fragmentos do sonho de outro alguém.
Esses exemplos conduzem-nos a uma conclusão importante neste livro: Não há conceito da realidade independente de um quadro ou de uma teoria. Em vez disso, adotamos uma abordagem que denominaremos realismo dependente do modelo: a idéia de que uma teoria física ou uma imagem de mundo é um modelo (geralmente de natureza matemática) e um conjunto de regras que conectam elementos do modelo às observações. Isso fornece um quadro com o qual interpretar a ciência moderna.
Os filósofos desde Platão têm discutido sobre a natureza da realidade. A ciência clássica baseia-se no pressuposto de que há um mundo real exterior, cujas propriedades são definidas e independentes do observador que as percebe. Segundo a ciência clássica, certos objetos existem e têm propriedades físicas, tais como velocidade e massa, com valores bem-definidos. Dentro dessa visão, nossas teorias são tentativas de descrever esses objetos e suas propriedades, e nossas medidas e percepções correspondem a elas. Tanto o observador como o observado são partes de um mundo que tem existência objetiva, e qualquer distinção entre eles não possui importância significativa. Em outras palavras, se vemos um bando de zebras brigando por uma vaga no estacionamento, é porque há realmente um bando de zebras brigando por uma vaga no estacionamento. Todos os outros observadores medirão as mesmas propriedades, e o bando terá aquelas propriedades quer alguém as observe ou não. Em filosofia, essa crença é denominada realismo.
Embora o realismo possa ser um ponto de vista tentador, como veremos mais tarde, o que conhecemos sobre física moderna torna-o dificilmente defensável. Por exemplo, de acordo com os princípios da física quântica, que é uma descrição precisa da natureza, uma partícula não tem nem uma posição, nem uma velocidade definida, a não ser e até que essas quantidades sejam medidas por um observador. Portanto, não é correto dizer que uma medida fornece um certo resultado porque a quantidade mensurada tinha aquele valor no momento da medida. De fato, em alguns casos, objetos individuais nem sequer têm uma existência independente, existindo apenas como parte de um conjunto de muitos objetos. E, se uma teoria denominada princípio holográfico estiver correta, nós e nosso mundo quadrimensional somos sombras na fronteira de um espaço-tempo maior, de cinco dimensões.
Os realistas mais rígidos frequentemente argumentam que a prova de que as teorias científicas representam a realidade está no seu êxito. Mas diferentes teorias podem descrever com sucesso os mesmos fenômenos, embora dentro quadros conceituais díspares. De fato, muitas teorias científicas que se mostraram bem-sucedidas foram posteriormente substituídas por outras, igualmente exitosas, mas baseadas em conceitos da realidade inteiramente novos.
Tradicionalmente, aqueles que não aceitavam o realismo foram chamados de antirrealistas. Os antirrealistas propõem uma distinção entre conhecimento empírico e conhecimento teórico. Em geral, argumentam que a observação e o experimento são importantes, mas que as teorias não são mais do que instrumentos úteis que não incorporam qualquer verdade profunda subjacente ao fenômeno observado. Alguns antirrealistas propuseram mesmo restringir a ciência somente a coisas que podiam ser observadas. Por esse motivo, no século XIX, muitos cientistas rejeitaram a idéia de átomos, com base no fato de que jamais poderiam ser vistos. George Berkeley (1685-1733) chegou ao ponto de afirmar que não existia nada senão a mente e suas idéias. Reza a lenda que, quando um amigo assinalou ao autor e lexicógrafo Samuel Johnson (1709-1784) que a proposição de Berkeley não poderia ser refuta, a resposta de Johnson foi dirigir-se a uma grande pedra, chutá-la e proclamar: “Eu acabei de refutá-la.” É claro que a dor que Johnson sentiu em seu pé também foi produzida em sua mente, e desse modo não conseguiu refutar com sucesso as idéias de Berkeley. Mas esse ato ilustrou o ponto de vista do filósofo David Hume (1711-1776), que assinalou que, mesmo que não haja bases racionais para acreditar em uma realidade objetiva, também não temos outra escolha senão agir como se ela existisse.
“Vocês dois têm algo em comum. O dr. Davis descobriu uma partícula que ninguém vê, e o prof. Hidge, uma galáxia que ninguém enxerga.”
O realismo dependente do modelo faz um curto-circuito entre esse argumento e a discussão entre as escolas de pensamento realista e antirrealista. Segundo o realismo dependente do modelo, é inútil indagar se um modelo é real, apenas se ele concorda com as observações. Se há dois modelos, ambos de acordo com as observações, como o do peixinho dourado e o nosso, então não se pode dizer que um seja mais real que o outro. Pode-se utilizar o modelo que resultar mais conveniente ns situação considerada. Por exemplo, dentro do aquário, o modelo do peixinho dourado pode ser útil, mas se estivermos situados do lado de fora, seria muito estranho descrever eventos em uma galáxia distante no referencial de um aquário na Terra, em especial porque o aquário estaria em movimento acompanhando a Terra na sua translação ao redor do Sol e na rotação em torno do seu eixo.
Fazemos modelos não só em ciência mas também na vida quotidiana. O realismo dependente do modelo aplica-se tanto ao conhecimento científico quanto aos modelos conscientes e subconscientes que criamos para interpretar e compreender o mundo do dia a dia. Não há como remover o observador – nós – da nossa percepção do mundo, que é criada pelo nosso processamento sensorial e pelo modo como pensamos e raciocinamos. Nossa percepção – e, portanto, as observações nas quais se baseiam nossas teorias – não é direta, mas antes moldada por uma espécie de lente, a estrutura interpretativa do cérebro humano.
O realismo dependente do modelo corresponde ao modo como percebemos os objetos. Na visão, o cérebro recebe uma série de sinais através do nervo ótico. Tais sinais não constituem o tipo de imagem que você aceitaria na sua tevê. Há um ponto cego onde o nervo ótico se junta à retina, e a única parte do nosso campo de visão com um bom foco é um estreito grau visual com cerca de um grau de ângulo visual ao redor do centro da retina, uma área do tamanho do nosso polegar quando visto à distância de um braço estendido. Assim, os dados brutos enviados ao cérebro são como uma imagem em baixa resolução e com um buraco no meio. Felizmente, o cérebro humano processa estes dados, combinando as informações que entra por ambos os olhos, preenchendo as lacunas e interpolando, sob a suposição de que as propriedades visuais de localizações vizinhas são similares. Ele vai mais além: lê um arranjo bidimensional de dados da retina e constrói a impressão de um espaço tridimensional. Em outras palavras, o cérebro cria um quadro ou modelo mental.
O cérebro tem uma capacidade tão grande de criar modelos que, se as pessoas usarem óculos que invertam as imagens, seus cérebros, após algum tempo, alterarão o modelo de modo que elas possam voltar a ver as coisas de cabeça para cima. Se os óculos forem removidos, elas passarão a ver o mundo de cabeça para baixo, mas logo se adaptarão novamente. Assim, quando dizemos “Eu vejo uma cadeira”, estamos usando a luz refletida pela cadeira para construir uma imagem ou modelo mental da cadeira. Se o modelo for virado de cabeça para baixo, com sorte o cérebro o corrigirá antes que a pessoa se sente nela.
Outro problema que o realismo dependente do modelo resolve, ou ao menos evita, é o significado da existência. Como posso saber se uma mesa ainda existe se saio da sala e não a vejo mais? O que significa dizer que coisas que não vemos, como elétrons ou quarks – partículas que constituem o próton e o nêutron – existem? Podíamos dispor de um modelo no qual a mesa desaparece quando saio da sala, reaparecendo na mesma posição quando volto. Mas este modelo seria estranho. E se algo acontecesse quando eu saísse da sala, como o teto desabar? Como, segundo o modelo mesa-que-desaparece-quando-saio-da-sala, eu poderia explicar o fato de que, na próxima vez que entrasse na sala, a mesa reapareceria quebrado debaixo dos escombros do teto? O modelo no qual a mesa permanece no mesmo lugar é muito mais simples e vai de encontro às observações. Isso é tudo que podemos exigir dele.
No caso de partículas subatômicas que não podemos ver, os elétrons são um modelo útil para explicar observações tais como traços numa câmara de nuvem ou os pontos de luz numa tela de tevê, assim como outros fenômenos. Conta-se que o elétron foi descoberto em 1897 pelo físico britânico J.J. Thomson no Laboratório Cavendish, da Universidade de Cambridge. Ele fazia experimentos com correntes elétricas dentro de tubos de vidro vazios, um fenômeno conhecido como raios catódicos. Seus experimentos levaram-no à ousada conclusão de que os misteriosos raios eram compostos por minúsculos “corpúsculos” que seriam os constituintes materiais dos átomos, que então eram considerados as unidades fundamentais, indivisíveis, da matéria. Thomson não “viu” um elétron, e tampouco suas especulações foram demonstradas diretamente e sem ambigüidade por seus experimentos. Mas esse modelo acabou sendo crucial em aplicações que vão da ciência fundamental à engenharia, e atualmente todos os físicos acreditam na existência dos elétrons, embora não possa vê-los.
Fazemos modelos não só em ciência mas também na vida quotidiana. O realismo dependente do modelo aplica-se tanto ao conhecimento científico quanto aos modelos conscientes e subconscientes que criamos para interpretar e compreender o mundo do dia a dia. Não há como remover o observador – nós – da nossa percepção do mundo, que é criada pelo nosso processamento sensorial e pelo modo como pensamos e raciocinamos. Nossa percepção – e, portanto, as observações nas quais se baseiam nossas teorias – não é direta, mas antes moldada por uma espécie de lente, a estrutura interpretativa do cérebro humano.
O realismo dependente do modelo corresponde ao modo como percebemos os objetos. Na visão, o cérebro recebe uma série de sinais através do nervo ótico. Tais sinais não constituem o tipo de imagem que você aceitaria na sua tevê. Há um ponto cego onde o nervo ótico se junta à retina, e a única parte do nosso campo de visão com um bom foco é um estreito grau visual com cerca de um grau de ângulo visual ao redor do centro da retina, uma área do tamanho do nosso polegar quando visto à distância de um braço estendido. Assim, os dados brutos enviados ao cérebro são como uma imagem em baixa resolução e com um buraco no meio. Felizmente, o cérebro humano processa estes dados, combinando as informações que entra por ambos os olhos, preenchendo as lacunas e interpolando, sob a suposição de que as propriedades visuais de localizações vizinhas são similares. Ele vai mais além: lê um arranjo bidimensional de dados da retina e constrói a impressão de um espaço tridimensional. Em outras palavras, o cérebro cria um quadro ou modelo mental.
O cérebro tem uma capacidade tão grande de criar modelos que, se as pessoas usarem óculos que invertam as imagens, seus cérebros, após algum tempo, alterarão o modelo de modo que elas possam voltar a ver as coisas de cabeça para cima. Se os óculos forem removidos, elas passarão a ver o mundo de cabeça para baixo, mas logo se adaptarão novamente. Assim, quando dizemos “Eu vejo uma cadeira”, estamos usando a luz refletida pela cadeira para construir uma imagem ou modelo mental da cadeira. Se o modelo for virado de cabeça para baixo, com sorte o cérebro o corrigirá antes que a pessoa se sente nela.
Outro problema que o realismo dependente do modelo resolve, ou ao menos evita, é o significado da existência. Como posso saber se uma mesa ainda existe se saio da sala e não a vejo mais? O que significa dizer que coisas que não vemos, como elétrons ou quarks – partículas que constituem o próton e o nêutron – existem? Podíamos dispor de um modelo no qual a mesa desaparece quando saio da sala, reaparecendo na mesma posição quando volto. Mas este modelo seria estranho. E se algo acontecesse quando eu saísse da sala, como o teto desabar? Como, segundo o modelo mesa-que-desaparece-quando-saio-da-sala, eu poderia explicar o fato de que, na próxima vez que entrasse na sala, a mesa reapareceria quebrado debaixo dos escombros do teto? O modelo no qual a mesa permanece no mesmo lugar é muito mais simples e vai de encontro às observações. Isso é tudo que podemos exigir dele.
No caso de partículas subatômicas que não podemos ver, os elétrons são um modelo útil para explicar observações tais como traços numa câmara de nuvem ou os pontos de luz numa tela de tevê, assim como outros fenômenos. Conta-se que o elétron foi descoberto em 1897 pelo físico britânico J.J. Thomson no Laboratório Cavendish, da Universidade de Cambridge. Ele fazia experimentos com correntes elétricas dentro de tubos de vidro vazios, um fenômeno conhecido como raios catódicos. Seus experimentos levaram-no à ousada conclusão de que os misteriosos raios eram compostos por minúsculos “corpúsculos” que seriam os constituintes materiais dos átomos, que então eram considerados as unidades fundamentais, indivisíveis, da matéria. Thomson não “viu” um elétron, e tampouco suas especulações foram demonstradas diretamente e sem ambigüidade por seus experimentos. Mas esse modelo acabou sendo crucial em aplicações que vão da ciência fundamental à engenharia, e atualmente todos os físicos acreditam na existência dos elétrons, embora não possa vê-los.
Raios catódicos. Não podemos ver os elétrons individualmente, mas podemos ver os efeitos que eles produzem.
Os quarks, que também não vemos, são um modelo para explicar as propriedades dos prótons e nêutrons dentro do núcleo atômico. Embora se diga que prótons e nêutrons são constituídos por quarks, nunca veremos um individualmente porque a força de ligação entre os quarks aumenta com a separação, e, portanto, quarks isolados não podem existir na natureza. Em vez disso, eles sempre aparecem em grupo de três, como nos prótons e nêutrons, ou em pares de quark e antiquark (por exemplo, no méson pi), e se comportam como se estivessem unidos por elásticos.
Dizer que quarks realmente existem ainda que não se possa isolá-los foi uma questão que gerou grande controvérsia no período seguinte à proposição do modelo dos quarks. A idéia de que certas partículas eram constituídas por diferentes combinações de partículas subsubnucleares forneceu o princípio organizador para uma explicação simples e atraente de suas propriedades. Mas, embora os físicos estejam acostumados a aceitar partículas cuja existência é inferida apenas de uns mínimos desvios estatísticos de dados originários do espalhamento de outras partículas, a idéia de uma partícula a princípio inobservável foi demais para vários deles. À medida que os anos foram passando, contudo, o modelo do quark levou a previsões cada vez mais acuradas, e a oposição cedeu. Certamente é possível que seres de outros planetas, com dezessete braços, olhos de infravermelho e o hábito de derramarem creme azedo em suas orelhas, fizessem as mesmas observações experimentais que nós, mas as descrevessem sem quarks. Todavia, conforme o realismo dependente do modelo, os quarks existem em um modelo que concorda com nossas previsões de como as partículas subnucleares se comportam.
Dizer que quarks realmente existem ainda que não se possa isolá-los foi uma questão que gerou grande controvérsia no período seguinte à proposição do modelo dos quarks. A idéia de que certas partículas eram constituídas por diferentes combinações de partículas subsubnucleares forneceu o princípio organizador para uma explicação simples e atraente de suas propriedades. Mas, embora os físicos estejam acostumados a aceitar partículas cuja existência é inferida apenas de uns mínimos desvios estatísticos de dados originários do espalhamento de outras partículas, a idéia de uma partícula a princípio inobservável foi demais para vários deles. À medida que os anos foram passando, contudo, o modelo do quark levou a previsões cada vez mais acuradas, e a oposição cedeu. Certamente é possível que seres de outros planetas, com dezessete braços, olhos de infravermelho e o hábito de derramarem creme azedo em suas orelhas, fizessem as mesmas observações experimentais que nós, mas as descrevessem sem quarks. Todavia, conforme o realismo dependente do modelo, os quarks existem em um modelo que concorda com nossas previsões de como as partículas subnucleares se comportam.
Quaks. O conceito do quark é um elemento vital de nossas teorias da física fundamental, mesmo que quarks individuais não possam ser observados.
O realismo dependente do modelo fornece um arcabouço para discutir questões como: se o mundo foi criado um tempo finito atrás, o que acontecia antes disso? Um dos primeiros filósofos cristãos, Santo Agostinho (354-430) dizia que a resposta não era que Deus estava preparando o inferno para aqueles que faziam tais perguntas, mas que o tempo era uma característica do mundo que Deus criou e que esse tempo não existia antes da criação, que ele acreditava não ter acontecido há muito tempo. Esse é um modelo possível, preferido por aqueles que sustentam que o relato dado no Gênesis é literalmente verdadeiro, embora o mundo contenha fósseis e outras evidências que o tornam muito mais velho. (Será que foram plantadas para nos enganar?) Há um outro modelo, no qual o tempo retrocede até o big bang, 13,7 bilhões de anos atrás. O modelo que melhor explica nossas atuais observações, incluindo as evidências geológicas e históricas, é a melhor representação que temos do passado.Como o segundo modelo pode explicar os registros fósseis e radioativos e o fato de que recebemos luz de galáxias a milhões de anos-luz de nós, tal modelo – a teoria do big bang – é mais útil do que o primeiro. Mesmo assim, não se pode dizer que um dos dois modelos seja mais real do que o outro.
Alguns cientistas defendem um modelo no qual o tempo remonta para antes do big bang. Ainda não está claro se um modelo assim explicaria melhor as observações atuais, porque as leis da evolução do universo podem sofrer uma ruptura no big bang. Se ocorrer esta quebra, não teria sentido criar um modelo englobando o tempo antes do big bang, porque o que existiu antes não teria conseqüências observáveis para o presente, e assim podemos continuar a adotar a idéia de que o big bang foi a criação do mundo.
Um modelo é um bom modelo, se:
Por exemplo, a teoria de Aristóteles de que o mundo era constituído de quatro elementos – terra, ar, fogo e água – era elegante e não continha elementos ajustáveis. Mas, em muitos casos, não fazia previsões definidas, e, quando as fazia, estas nem sempre estavam em acordo com as observações. Uma dessas previsões é que objetos mais pesados caiam mais rapidamente porque o seu propósito é cair. Ninguém parece ter tido a idéia de testar essa teoria até Galileu. Conta-se que ele fez o teste deixando cair objetos da Torre Inclinada de Pisa. Provavelmente essa história é apócrifa, mas sabemos que deixava rolar diferentes pesos em um plano inclinado e observou que todos eles adquiriam velocidade na mesma taxa, contrariamente à previsão de Aristóteles.
Os critérios acima para um bom modelo são obviamente subjetivos. Elegância, por exemplo, não é algo facilmente mensurável, mas goza da alta estima entre cientistas porque as leis naturais deveriam condensar economicamente uma variedade de casos particulares numa única formula simples. Elegância refere-se à forma de uma teoria, mas é intimamente relacionada à ausência de elementos ajustáveis, visto que uma teoria entupida com fatores ajustados ad hoc (“fudge factors”) não é muito elegante. Parafraseando Einstein, uma teoria deve ser a mais simples possível, mas não mais simples do que isso. Ptolomeu adicionava epiciclos a órbitas circulares para que seu modelo pudesse descrever precisamente o movimento dos corpos celestes. O modelo poderia tornar-se cada vez mais preciso adicionando-se epiciclos a epiciclos, mesmo epiciclos a estes últimos. Embora a maior complexidade possa torná-lo mais preciso, um modelo que ganhas novos elementos apenas para se ajusta a um conjunto de exigências é insatisfatório, mais semelhante a um catálogo de dados do que a uma teoria capaz de encerrar um princípio fundamental.
Veremos no 5º artigo que muitos consideram o “modelo padrão”, que descreve as interações das partículas elementares da natureza, como deselegante. Esse modelo é muito mais bem-sucedido do que os epiciclos de Ptolomeu. Ele previu a existência de várias novas partículas antes de terem sido observadas, e descreveu por décadas os resultados de numerosos experimentos com grande precisão. Mas ele contém dúzias de parâmetros ajustáveis, cujos valores devem ser fixados de acordo com as observações, e não determinados pela própria teoria.
Em relação ao quarto critério, os cientistas sempre ficam impressionados quando novas e extraordinárias previsões revelam-se corretas. Por outro lado, quando a teoria entra em desacordo com alguma observação, uma reação comum é dizer que o experimento estava errado. Se se percebe que não houve erros, muitas vezes as pessoas não abandonam o modelo, mas tentam mantê-lo com algumas modificações. Embora os físicos sejam muito tenazes em suas tentativas de salvar as teorias que eles admiram, a tendência a modificar uma teoria debilita-se até o ponto em que as alterações tornem-se artificiais e incômodas, e portanto “deselegantes”.
O realismo dependente do modelo fornece um arcabouço para discutir questões como: se o mundo foi criado um tempo finito atrás, o que acontecia antes disso? Um dos primeiros filósofos cristãos, Santo Agostinho (354-430) dizia que a resposta não era que Deus estava preparando o inferno para aqueles que faziam tais perguntas, mas que o tempo era uma característica do mundo que Deus criou e que esse tempo não existia antes da criação, que ele acreditava não ter acontecido há muito tempo. Esse é um modelo possível, preferido por aqueles que sustentam que o relato dado no Gênesis é literalmente verdadeiro, embora o mundo contenha fósseis e outras evidências que o tornam muito mais velho. (Será que foram plantadas para nos enganar?) Há um outro modelo, no qual o tempo retrocede até o big bang, 13,7 bilhões de anos atrás. O modelo que melhor explica nossas atuais observações, incluindo as evidências geológicas e históricas, é a melhor representação que temos do passado.Como o segundo modelo pode explicar os registros fósseis e radioativos e o fato de que recebemos luz de galáxias a milhões de anos-luz de nós, tal modelo – a teoria do big bang – é mais útil do que o primeiro. Mesmo assim, não se pode dizer que um dos dois modelos seja mais real do que o outro.
Alguns cientistas defendem um modelo no qual o tempo remonta para antes do big bang. Ainda não está claro se um modelo assim explicaria melhor as observações atuais, porque as leis da evolução do universo podem sofrer uma ruptura no big bang. Se ocorrer esta quebra, não teria sentido criar um modelo englobando o tempo antes do big bang, porque o que existiu antes não teria conseqüências observáveis para o presente, e assim podemos continuar a adotar a idéia de que o big bang foi a criação do mundo.
Um modelo é um bom modelo, se:
1.For elegante
2. Contiver poucos elementos arbitrários ou ajustáveis
3. Concordar com e explicar todas as observações existentes
4. Fizer previsões detalhadas sobre observações futuras que podem descartar ou falsificar o modelo se não se realizarem.
2. Contiver poucos elementos arbitrários ou ajustáveis
3. Concordar com e explicar todas as observações existentes
4. Fizer previsões detalhadas sobre observações futuras que podem descartar ou falsificar o modelo se não se realizarem.
Por exemplo, a teoria de Aristóteles de que o mundo era constituído de quatro elementos – terra, ar, fogo e água – era elegante e não continha elementos ajustáveis. Mas, em muitos casos, não fazia previsões definidas, e, quando as fazia, estas nem sempre estavam em acordo com as observações. Uma dessas previsões é que objetos mais pesados caiam mais rapidamente porque o seu propósito é cair. Ninguém parece ter tido a idéia de testar essa teoria até Galileu. Conta-se que ele fez o teste deixando cair objetos da Torre Inclinada de Pisa. Provavelmente essa história é apócrifa, mas sabemos que deixava rolar diferentes pesos em um plano inclinado e observou que todos eles adquiriam velocidade na mesma taxa, contrariamente à previsão de Aristóteles.
Os critérios acima para um bom modelo são obviamente subjetivos. Elegância, por exemplo, não é algo facilmente mensurável, mas goza da alta estima entre cientistas porque as leis naturais deveriam condensar economicamente uma variedade de casos particulares numa única formula simples. Elegância refere-se à forma de uma teoria, mas é intimamente relacionada à ausência de elementos ajustáveis, visto que uma teoria entupida com fatores ajustados ad hoc (“fudge factors”) não é muito elegante. Parafraseando Einstein, uma teoria deve ser a mais simples possível, mas não mais simples do que isso. Ptolomeu adicionava epiciclos a órbitas circulares para que seu modelo pudesse descrever precisamente o movimento dos corpos celestes. O modelo poderia tornar-se cada vez mais preciso adicionando-se epiciclos a epiciclos, mesmo epiciclos a estes últimos. Embora a maior complexidade possa torná-lo mais preciso, um modelo que ganhas novos elementos apenas para se ajusta a um conjunto de exigências é insatisfatório, mais semelhante a um catálogo de dados do que a uma teoria capaz de encerrar um princípio fundamental.
Veremos no 5º artigo que muitos consideram o “modelo padrão”, que descreve as interações das partículas elementares da natureza, como deselegante. Esse modelo é muito mais bem-sucedido do que os epiciclos de Ptolomeu. Ele previu a existência de várias novas partículas antes de terem sido observadas, e descreveu por décadas os resultados de numerosos experimentos com grande precisão. Mas ele contém dúzias de parâmetros ajustáveis, cujos valores devem ser fixados de acordo com as observações, e não determinados pela própria teoria.
Em relação ao quarto critério, os cientistas sempre ficam impressionados quando novas e extraordinárias previsões revelam-se corretas. Por outro lado, quando a teoria entra em desacordo com alguma observação, uma reação comum é dizer que o experimento estava errado. Se se percebe que não houve erros, muitas vezes as pessoas não abandonam o modelo, mas tentam mantê-lo com algumas modificações. Embora os físicos sejam muito tenazes em suas tentativas de salvar as teorias que eles admiram, a tendência a modificar uma teoria debilita-se até o ponto em que as alterações tornem-se artificiais e incômodas, e portanto “deselegantes”.
Refração. O modelo newtoniano da luz pode explicar por que um feixe de luz se dobra quando passa de um meio para outro, mas não consegue explicar um outro fenômeno, que agora chamamos dos anéis de Newton.
Se as modificações necessárias para acomodar as novas observações tornam-se muito barrocas, isso inda que é hora de um novo modelo. Um exemplo de modelo antigo que desmoronou sob o peso de novas observações foi a idéia de um universo estático. Na década de 1920, a maior parte dos físicos acreditava que o universo era estático, ou com tamanho constante. Então, em 1929, Edwin Hubble publicou suas observações mostrando que o universo estava em expansão. Mas Hubble não observou diretamente a expansão do universo. Ele observou a luz emitida por galáxias; essa luz traz uma assinatura característica, ou espectro, baseado na composição química da galáxia e que se altera de um modo conhecido se a galáxia se move em relação a nós. Assim, analisando o espectro de galáxias distantes, Hubble determinou suas velocidades. Ele esperava encontrar tantas galáxias afastando-se de nós quanto se aproximando. Em vez disso, descobriu que quase todas as galáxias afastavam-se de nós. E mais, as suas velocidades aumentavam com a distância. Hubble concluiu que o universo se expandia. Outros, todavia, tentaram salvar o antigo modelo e procuraram explicar suas observações dentro do contexto do universo estático. Por exemplo, um físico do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) chamado Fritz Zwicky sugeriu que, por alguma razão desconhecida, a luz poderia perder gradualmente energia à medida que percorresse grandes distâncias. Tal redução na energia corresponderia a uma mudança no espectro da luz que imitaria o efeito das velocidades de afastamento registrado por Hubble. Décadas após essas descobertas, vários cientistas continuaram apegados à teoria do estado estacionário. Mas o modelo mais natural foi o de Hubble, o de um universo em expansão, que veio a ser o modelo aceito.
Em nossa busca pelas leis que governam o universo, formulamos diversas teorias ou modelos, tais como a teoria dos quatro elementos, o modelo Ptolomaico, a teoria do flogístico, a teoria do big bang e assim por diante. Com cada teoria ou modelo, nossas concepções da realidade e dos constituintes fundamentais do universo mudaram. Por exemplo, consideremos a teoria da luz. Newton acreditava que a luz era constituída por diminutas partículas ou corpúsculos. Essa teoria explicava por que a luz viaja em linha reta, e Newton também a usou para explicar por que um feixe de luz é dobrado ou refratado quando passa de um meio para outro, tal como do ar para o vidro ou do ar para a água.
A teoria corpuscular, contudo, não explica um outro fenômeno que o próprio Newton observou, e que agora é conhecido como anéis de Newton. Coloquemos uma lente sobre uma placa refletora plana e iluminemos essa lente com uma luz de uma única cor, tal como uma luz de sódio. Olhando de cima, veremos uma série de anéis claros e escuros centrados no ponto onde a lente toca a superfície. A teoria de partículas da luz não dá conta desse fenômeno, mas ele pode ser explicado pela teoria ondulatória.
De acordo com essa teoria, os anéis claros e escuros podem ser explicados pelo fenômeno de interferência. Uma onda, como, por exemplo, uma onde de água, consiste de uma série de cristas e vales. Quando as ondas se cruzam, se as cristas e vales de uma e da outra coincidem, elas são reforçadas, aumentando a amplitude da onda. Isso é a interferência construtiva. Nesse caso, as ondas estão “em fase”. O extremo oposto é quando as ondas se encontram, e as cristas de uma coincidem com os vales da outra e vice-versa. Em conseqüência anulam-se mutuamente e diz-se que estão “fora de fase”. Essa situação denomina-se interferência destrutiva.
Nos anéis de Newton, os anéis brilhantes estão situados a distâncias do centro onde a separação entre a lente e a placa refletora é tal que a onda refletida pela lente difere da onda refletida pela placa por um número inteiro (1, 2, 3...) de comprimentos de onda, criando uma interferência construtiva. (Um comprimento de onda é a distância entre uma crista ou um vale de uma onda e a próxima.) Os anéis escuros, por outro lado, estão localizados a distâncias do centro, onde a separação entre as duas ondas refletidas corresponde a um número semi-inteiro (0,5, 1,5, 2,5...) de comprimentos de onda, causando uma interferência destrutiva – a onda refletida pela lente anula a onda refletida pelo plano.
Se as modificações necessárias para acomodar as novas observações tornam-se muito barrocas, isso inda que é hora de um novo modelo. Um exemplo de modelo antigo que desmoronou sob o peso de novas observações foi a idéia de um universo estático. Na década de 1920, a maior parte dos físicos acreditava que o universo era estático, ou com tamanho constante. Então, em 1929, Edwin Hubble publicou suas observações mostrando que o universo estava em expansão. Mas Hubble não observou diretamente a expansão do universo. Ele observou a luz emitida por galáxias; essa luz traz uma assinatura característica, ou espectro, baseado na composição química da galáxia e que se altera de um modo conhecido se a galáxia se move em relação a nós. Assim, analisando o espectro de galáxias distantes, Hubble determinou suas velocidades. Ele esperava encontrar tantas galáxias afastando-se de nós quanto se aproximando. Em vez disso, descobriu que quase todas as galáxias afastavam-se de nós. E mais, as suas velocidades aumentavam com a distância. Hubble concluiu que o universo se expandia. Outros, todavia, tentaram salvar o antigo modelo e procuraram explicar suas observações dentro do contexto do universo estático. Por exemplo, um físico do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) chamado Fritz Zwicky sugeriu que, por alguma razão desconhecida, a luz poderia perder gradualmente energia à medida que percorresse grandes distâncias. Tal redução na energia corresponderia a uma mudança no espectro da luz que imitaria o efeito das velocidades de afastamento registrado por Hubble. Décadas após essas descobertas, vários cientistas continuaram apegados à teoria do estado estacionário. Mas o modelo mais natural foi o de Hubble, o de um universo em expansão, que veio a ser o modelo aceito.
Em nossa busca pelas leis que governam o universo, formulamos diversas teorias ou modelos, tais como a teoria dos quatro elementos, o modelo Ptolomaico, a teoria do flogístico, a teoria do big bang e assim por diante. Com cada teoria ou modelo, nossas concepções da realidade e dos constituintes fundamentais do universo mudaram. Por exemplo, consideremos a teoria da luz. Newton acreditava que a luz era constituída por diminutas partículas ou corpúsculos. Essa teoria explicava por que a luz viaja em linha reta, e Newton também a usou para explicar por que um feixe de luz é dobrado ou refratado quando passa de um meio para outro, tal como do ar para o vidro ou do ar para a água.
A teoria corpuscular, contudo, não explica um outro fenômeno que o próprio Newton observou, e que agora é conhecido como anéis de Newton. Coloquemos uma lente sobre uma placa refletora plana e iluminemos essa lente com uma luz de uma única cor, tal como uma luz de sódio. Olhando de cima, veremos uma série de anéis claros e escuros centrados no ponto onde a lente toca a superfície. A teoria de partículas da luz não dá conta desse fenômeno, mas ele pode ser explicado pela teoria ondulatória.
De acordo com essa teoria, os anéis claros e escuros podem ser explicados pelo fenômeno de interferência. Uma onda, como, por exemplo, uma onde de água, consiste de uma série de cristas e vales. Quando as ondas se cruzam, se as cristas e vales de uma e da outra coincidem, elas são reforçadas, aumentando a amplitude da onda. Isso é a interferência construtiva. Nesse caso, as ondas estão “em fase”. O extremo oposto é quando as ondas se encontram, e as cristas de uma coincidem com os vales da outra e vice-versa. Em conseqüência anulam-se mutuamente e diz-se que estão “fora de fase”. Essa situação denomina-se interferência destrutiva.
Nos anéis de Newton, os anéis brilhantes estão situados a distâncias do centro onde a separação entre a lente e a placa refletora é tal que a onda refletida pela lente difere da onda refletida pela placa por um número inteiro (1, 2, 3...) de comprimentos de onda, criando uma interferência construtiva. (Um comprimento de onda é a distância entre uma crista ou um vale de uma onda e a próxima.) Os anéis escuros, por outro lado, estão localizados a distâncias do centro, onde a separação entre as duas ondas refletidas corresponde a um número semi-inteiro (0,5, 1,5, 2,5...) de comprimentos de onda, causando uma interferência destrutiva – a onda refletida pela lente anula a onda refletida pelo plano.
Interferência. Assim como as pessoas, as ondas, quando se encontram, tendem a elevar ou a diminuir uma à outra.
No século XIX, considerava-se que este fenômeno confirmava a teoria ondulatória da luz e comprovava que a teoria corpuscular estava errada. Todavia, no início do século XX, Einstein demonstrou que o efeito fotoelétrico (atualmente utilizado na televisão e em câmeras digitais) poderia ser explicado por uma partícula ou quantum de luz incidindo em um átomo e ejetando um elétron. Assim, a luz tem o comportamento tanto de uma onda como de uma partícula.
O conceito de ondas provavelmente surgiu na mente humana a partir da observação do oceano ou de um espelho d’água após uma pedra cair nele. De fato, se você alguma vez jogou duas pedras numa lagoa, provavelmente viu a interferência em ação, como na imagem abaixo. Outros líquidos exibem um comportamento semelhante, exceto talvez o vinho, se você tomar demais. Estamos familiarizados com a idéia de partículas pela nossa convivência com pedras, cascalho e areia. Mas a dualidade onda-partícula – a idéia de que um objeto possa ser descrito como uma onda ou partícula – é tão insólita para a experiência diária como a de que possamos beber um pedaço de arenito.
O conceito de ondas provavelmente surgiu na mente humana a partir da observação do oceano ou de um espelho d’água após uma pedra cair nele. De fato, se você alguma vez jogou duas pedras numa lagoa, provavelmente viu a interferência em ação, como na imagem abaixo. Outros líquidos exibem um comportamento semelhante, exceto talvez o vinho, se você tomar demais. Estamos familiarizados com a idéia de partículas pela nossa convivência com pedras, cascalho e areia. Mas a dualidade onda-partícula – a idéia de que um objeto possa ser descrito como uma onda ou partícula – é tão insólita para a experiência diária como a de que possamos beber um pedaço de arenito.
Interferência no espelho d’água. O conceito da interferência apresenta-se no dia a dia em corpos de água, de espelhos d’água a oceanos.
Dualidades como essa – situações nas quais teorias radicalmente distintas descrevem com precisão o mesmo fenômeno – são consistentes com o realismo dependente do modelo. Cada teoria pode descrever e explicar certas propriedades, mas nenhuma delas pode ser considerada melhor ou mais real do que a outra. A respeito das leis que governam o universo, apenas podemos afirmar que não há um modelo matemático ou uma teoria única que descreve todos os seus aspectos. Em vez disso, parece haver uma rede de teorias chamada teoria-M. Cada teoria nessa rede descreve muito bem fenômenos dentro de um determinado domínio. Onde os domínios se superpõem, as várias teorias da rede concordam entre si, e assim pode-se dizer que são partes da mesma teoria. Mas nenhuma teoria isoladamente dentro da rede pode descrever todos os aspectos do universo – todas as forças da natureza, as partículas regidas por tais forças e o referencial de espaço-tempo dentro do qual tudo se desenrola. Embora essa situação não realize o sonho dos físicos de uma teoria unificada, ela é aceitável dentro do quadro do realismo dependente do modelo.
Discutiremos a dualidade e a teoria-M mais detalhadamente no 5º artigo, mas, antes disso, devemos nos voltar para um princípio fundamental sobre o qual se baseia a visão moderna da realidade: a teoria quântica e em, particular, a abordagem da teoria quântica denominada histórias alternativas. Nesse quadro, o universo não tem apenas uma única existência ou história, mas todas as versões possíveis do universo coexistem simultaneamente no que chamamos de superposição quântica. Isso pode soar tão absurdo quanto a teoria na qual a mesa desaparece sempre que saímos da sala, mas no caso das histórias alternativas, a teoria passou em todos os testes experimentais a que foi submetida.
1º artigo: O Mistério do Ser
2º artigo: O Domínio da Lei
Referência: Readaptação de The Grand Design de Leonard Mlodinow e Stephen Hawking
Discutiremos a dualidade e a teoria-M mais detalhadamente no 5º artigo, mas, antes disso, devemos nos voltar para um princípio fundamental sobre o qual se baseia a visão moderna da realidade: a teoria quântica e em, particular, a abordagem da teoria quântica denominada histórias alternativas. Nesse quadro, o universo não tem apenas uma única existência ou história, mas todas as versões possíveis do universo coexistem simultaneamente no que chamamos de superposição quântica. Isso pode soar tão absurdo quanto a teoria na qual a mesa desaparece sempre que saímos da sala, mas no caso das histórias alternativas, a teoria passou em todos os testes experimentais a que foi submetida.
1º artigo: O Mistério do Ser
2º artigo: O Domínio da Lei
Referência: Readaptação de The Grand Design de Leonard Mlodinow e Stephen Hawking
Excelente texto!
ResponderExcluirO texto é fantástico, mas deviam ter citado a fonte. Todo o conteúdo foi retirado do livro O Grande Projeto, de Stephen Hawking e Leonard Mlodinow.
ResponderExcluir