Skoll, o lobo que assusta a lua
Até voar à Floresta da Desolação
Hati, o lobo, filho de Hridvitnir,
Que persegue o sol.
- “GRIMNISMAL”, Edda em verso
Até voar à Floresta da Desolação
Hati, o lobo, filho de Hridvitnir,
Que persegue o sol.
- “GRIMNISMAL”, Edda em verso
Na mitologia viking, Skoll e Hati perseguem o sol e a lua. Quando os lobos alcançam um deles, ocorre um eclipse. Então, aqui na Terra, as pessoas apressam-se em socorrer o sol ou a lua, fazendo o máximo de barulho possível com o intuito de afugentar os lobos. Há mitos semelhantes em outras culturas. Mas, após algum tempo, percebeu-se que o sol e a lua emergiam do eclipse independentemente de as pessoas correrem de um lado a outro gritando e batendo as coisas. Transcorrido mais algum tempo, notou-se que os eclipses não ocorrem ao acaso, mas segundo padrões regulares que se repetem. Tais padrões são mais evidentes para os eclipses lunares, o que permitiu que os antigos babilônios previssem eclipses lunares com razoável precisão, mesmo sem que eles percebessem que eram causados pela Terra bloqueando a luz do sol. Eclipses solares são mais difíceis de se prever porque são visíveis somente numa faixa estreita da Terra, com algumas dezenas de quilômetros de largura. Assim, uma vez apreendidos os padrões, tornou-se claro que os eclipses não dependiam dos caprichos arbitrários de seres sobrenaturais, mas governados por leis naturais.
Eclipse. Os antigos não sabiam qual a causa dos eclipses, mas descobriram padrões para sua ocorrência.
Apesar de algumas antigas previsões bem-sucedidas de movimentos de corpos celestes, para nossos ancestrais a maioria dos eventos naturais parecia impossível de prever. Vulcões, terremotos, tempestades, pestes e unhas encravadas, tudo isso parecia ocorrer sem padrões ou causas óbvias. Nas eras passadas, nada seria mais natural do que atribuir os atos violentos da natureza a um panteão de deidades travessas ou maléficas. Frequentemente considerava-se que calamidades seriam um sinal de que, de algum modo, ofendêramos os deuses. Por exemplo, em cerca de 5600 a.C., o vulcão do monte Mazama, no Oregon, entrou em erupção, arremessando rochas e cinza ardentes por anos. Seguiram-se chuvas que perduraram por muitos anos, acabando por preencher a cratera vulcânica, atualmente chamada lago da Cratera. Os índios klamath do Oregon têm uma lenda que casa fielmente com cada detalhe geológico do evento, mas com nuances dramáticas ao atribuir a um humano a causa da catástrofe. A capacidade humana de se culpar é tal que sempre encontramos maneiras de nos acusarmos. Segundo a lenda, Llao, o chefe do Mundo Inferior, apaixona-se pela bela filha humana do chefe klamath. Ela o rejeita e, como vingança, Llao tenta destruir os klamath com fogo. Felizmente, segundo a lenda, Skell, o chefe do Mundo Superior, tem piedade dos humanos e se lança em batalha contra a sua contraparte do submundo. No final, Llao, ferido, cai dentro do monte Mazama, produzindo um grande buraco, que acaba sendo preenchido por água.
A ignorância sobre as formas de agir da natureza levou os povos antigos a inventar deuses que regiam todos os aspectos da vida humana. Havia deuses do amor e da guerra; do sol, da terra e do céu, dos oceanos e dos rios, da chuva e das tempestades, e mesmo dos terremotos e vulcões. Quando os deuses estavam satisfeitos, recompensavam a humanidade com bom tempo, paz e ausência de desastres naturais e doenças. Por outro lado, o seu descontentamento trazia seca, guerra e epidemias. Visto que a conexão de causa e efeito dentro da natureza era invisível aos olhos dos seres humanos, esses deuses pareciam inescrutáveis e estávamos à sua mercê. Mas há 2.600 anos, com Tales de Mileto (c.624-c.546 a.C.), esta situação começou a mudar. Surgiu a idéia de que a natureza segue princípios consistentes que podem ser decifrados. Assim começou o longo processo de substituir a noção do reino dos deuses pelo conceito de um universo governado pelas leis naturais, e criado conforme um projeto que, algum dia, poderíamos aprender a ler.
Dentro da linha de tempo da história humana, a investigação científica é um empreendimento extremamente recente. Nossa espécie, Homo sapiens, originou-se na África subsaariana cerca de duzentos mil anos atrás. A linguagem escrita data somente de aproximadamente 7000 a.C., sendo o produto de sociedades centradas no cultivo de grãos. (Algumas das mais antigas inscrições se referem à ração diária de cerveja cabível a cada cidadão.) Os mais antigos registros da grande civilização da Grécia antiga remontam ao século IX a.C., mas o apogeu dessa civilização, o “período clássico”, ocorreu centenas de anos mais tarde, iniciando-se um pouco antes de 500 a.C. Segundo Aristóteles (384-322 a.C.), foi por volta dessa época que Tales primeiramente desenvolveu a ideia de que o mundo pode ser compreendido, de que os acontecimentos complexos que acontecem à nossa volta poderiam ser reduzidos a princípios mais simples e explicados sem o recurso a argumentos míticos ou teológicos.
Tales recebeu crédito por fazer a primeira previsão de um eclipse solar em 585 a.C., embora sua grande precisão tenha sido provavelmente um palpite de sorte. Era um personagem enigmático, que não nos legou nenhum escrito de seu próprio cunho. Sua casa era um dos centros intelectuais da Jônia, uma colônia grega com uma enorme influência, estendendo-se desde a atual Turquia em direção ao oeste, até a Itália. A ciência jônica foi um empreendimento caracterizado por um forte interesse em desvelar as leis fundamentais por detrás dos fenômenos naturais, um imenso marco na história das idéias da humanidade. Sua abordagem era racional e, em muitos casos, conduziu a conclusões surpreendentemente semelhantes àquelas que nossos métodos mais sofisticados levaram-nos a acatar hoje em dia. Ela representou um grandioso início, mas ao longo dos séculos uma boa parte da ciência jônica seria esquecida – apenas para ser redescoberta ou reinventada, com freqüência mais de uma vez.
A ignorância sobre as formas de agir da natureza levou os povos antigos a inventar deuses que regiam todos os aspectos da vida humana. Havia deuses do amor e da guerra; do sol, da terra e do céu, dos oceanos e dos rios, da chuva e das tempestades, e mesmo dos terremotos e vulcões. Quando os deuses estavam satisfeitos, recompensavam a humanidade com bom tempo, paz e ausência de desastres naturais e doenças. Por outro lado, o seu descontentamento trazia seca, guerra e epidemias. Visto que a conexão de causa e efeito dentro da natureza era invisível aos olhos dos seres humanos, esses deuses pareciam inescrutáveis e estávamos à sua mercê. Mas há 2.600 anos, com Tales de Mileto (c.624-c.546 a.C.), esta situação começou a mudar. Surgiu a idéia de que a natureza segue princípios consistentes que podem ser decifrados. Assim começou o longo processo de substituir a noção do reino dos deuses pelo conceito de um universo governado pelas leis naturais, e criado conforme um projeto que, algum dia, poderíamos aprender a ler.
Dentro da linha de tempo da história humana, a investigação científica é um empreendimento extremamente recente. Nossa espécie, Homo sapiens, originou-se na África subsaariana cerca de duzentos mil anos atrás. A linguagem escrita data somente de aproximadamente 7000 a.C., sendo o produto de sociedades centradas no cultivo de grãos. (Algumas das mais antigas inscrições se referem à ração diária de cerveja cabível a cada cidadão.) Os mais antigos registros da grande civilização da Grécia antiga remontam ao século IX a.C., mas o apogeu dessa civilização, o “período clássico”, ocorreu centenas de anos mais tarde, iniciando-se um pouco antes de 500 a.C. Segundo Aristóteles (384-322 a.C.), foi por volta dessa época que Tales primeiramente desenvolveu a ideia de que o mundo pode ser compreendido, de que os acontecimentos complexos que acontecem à nossa volta poderiam ser reduzidos a princípios mais simples e explicados sem o recurso a argumentos míticos ou teológicos.
Tales recebeu crédito por fazer a primeira previsão de um eclipse solar em 585 a.C., embora sua grande precisão tenha sido provavelmente um palpite de sorte. Era um personagem enigmático, que não nos legou nenhum escrito de seu próprio cunho. Sua casa era um dos centros intelectuais da Jônia, uma colônia grega com uma enorme influência, estendendo-se desde a atual Turquia em direção ao oeste, até a Itália. A ciência jônica foi um empreendimento caracterizado por um forte interesse em desvelar as leis fundamentais por detrás dos fenômenos naturais, um imenso marco na história das idéias da humanidade. Sua abordagem era racional e, em muitos casos, conduziu a conclusões surpreendentemente semelhantes àquelas que nossos métodos mais sofisticados levaram-nos a acatar hoje em dia. Ela representou um grandioso início, mas ao longo dos séculos uma boa parte da ciência jônica seria esquecida – apenas para ser redescoberta ou reinventada, com freqüência mais de uma vez.
Jônia. Os estudiosos da antiga Jônia foram os primeiros a explicar os fenômenos da natureza por leis naturais em vez de recorrerem a mitos ou teologia.
Com a difusão da influência jônica, surgiram outras visões de um universo possuidor de uma ordem interna, que poderia ser apreendida através da observação e da razão. Anaximandro (c.160-c.546 a.C.), amigo e possivelmente aluno de Tales, argumentava que, como os bebês são indefesos ao nascerem, se os primeiros humanos tivessem aparecido na terra como bebês, não teriam sobrevivido. Naquilo que pode ser, na história humana, a primeira alusão à evolução, Anaximandro deduziu que deveríamos ter evoluído de outros animais, cujos filhotes fossem mais resistentes. Na Sicília, Empédocles (c.490-c.430 a.C.) observou o uso de um instrumento chamado clepsidra. Algumas vezes utilizado como uma concha, consistia em uma esfera com um gargalo aberto e pequenos furos no fundo. Ao ser imersa na água, a clepsidra se preenchia, e se o gargalo fosse tampado, era possível retirá-la sem que a água em seu interior escoasse pelos furos. Empédocles notou que, se o gargalo fosse coberto antes de a clepsidra ser imersa, ela não se encheria de água. Ele concluiu que algo invisível devia evitar que a água entrasse na esfera pelos furos – ele havia descoberto a substância material que conhecemos como ar.
Mais ou menos na mesma época, numa colônia jônica no norte da Grécia, Demócrito (c.460-c.370 a.C.) indagava-se sobre o que aconteceria se um objeto fosse partido ou cortado em pedaços cada vez menores. Ele concluiu que este processo não poderia ser levado a cabo indefinidamente. Em vez disso, postulou que tudo, incluindo os seres vivos, é constituído por partículas fundamentais que não podem ser cortadas ou divididas em partes. Demócrito denominou essas partículas últimas de átomos, segundo o adjetivo grego significando “o que não pode ser cortado”. Ele acreditava que todo fenômeno material é o produto da colisão de átomos. Nessa visão, intitulada atomismo, todos os átomos movem-se no espaço, e, se não forem perturbados, prosseguirão em sua trajetória indefinidamente. Hoje em dia, essa idéia é denominada lei da inércia.
A idéia revolucionária de que somos apenas habitantes comuns do universo, e não seres privilegiados pelo fato de estarmos no seu centro, foi primeiro advogada por Aristarco (c.310-c.230 a.C.), um dos últimos cientistas jônicos. Apenas um de seus cálculos sobrevive, uma análise geométrica complexa de observações cuidadosas que ele realizou da sombra da Terra projetada sobre a Lua durante um eclipse lunar. A partir de seus dados, concluiu que o Sol é muito maior do que a Terra. Talvez inspirado pela idéia de que objetos minúsculos deveriam orbitar objetos colossais e não o contrário, tornou-se o primeiro a sustentar que a Terra não é o centro do sistema planetário, mas que ela e os outros planetas orbitam o Sol, que é muito maior. Uma vez que se perceba que a Terra é apenas mais um planeta, basta um pequeno passo para a conclusão de que o nosso sol também não tem nada de especial. Aristarco suspeitava de que fosse esse o caso, e acreditava que as estrelas que vemos no céu à noite na realidade nada mais são que sóis distantes.
Os jônicos representavam apenas uma das muitas escolas de filosofia grega antiga, cada uma com tradições distintas e frequentemente contraditórias. Infelizmente, a visão jônica da natureza – segundo a qual ela poderia ser explicada por leis gerais e reduzida a um conjunto simples de princípios – exerceu uma poderosa influência por apenas uns poucos séculos. Uma razão é que as teorias jônicas muitas vezes pareciam não comportar a noção de livre-arbítrio ou propósito, ou o conceito de que os deuses intervissem nas obras da natureza. Essas omissões eram chocantes e causavam um profundo mal-estar para muitos pensadores gregos, do mesmo modo que para tantas pessoas hoje em dia. O filósofo Epicuro (341-270 a.C.), por exemplo, opunha-se ao atomismo, pois seria “melhor seguir os mitos sobre os deuses do que se tornar um escravo do destino dos filósofos naturais”. Aristóteles também rejeitava o conceito de átomos porque não podia aceitar que seres humanos fossem compostos por objetos inanimados, desprovidos de alma. A idéia jônica de que o universo não é centrado no homem foi um marco para o nosso entendimento do cosmos, mas foi descartada e não mais adotada ou aceita até Galileu, quase vinte séculos depois.
Apesar do magnífico insight de algumas de suas especulações sobre a natureza, a maioria das idéias dos antigos gregos não poderia ter o status de ciência válida nos tempos modernos. Primeiramente, como os gregos não haviam inventado o método científico, suas teorias não foram elaboradas visando a verificação experimental. Assim, se um estudioso afirmasse que um átomo se moveria em linha reta até colidir com um segundo átomo e outro pensador sustentasse que o átomo se moveria em linha reta até se chocar com um ciclope, não haveria um meio objetivo de se determinar quem estava com a razão. Além disso, não havia uma distinção clara entre leis naturais e humanas. No século V a.C., por exemplo, Anaximandro escreveu que todas as coisas procedem de uma substância primária e retornam a ela, ou “pagarão penitência e serão julgadas por sua iniqüidade”. E, de acordo com o filósofo jônico Heráclito (c.535-c.475 a.C.), o Sol comporta-se como tal pois, em caso contrário, os deuses o abateriam. Séculos mais tarde, os estóicos, uma escola filosófica grega que surgiu no século III a.C., estabeleceram uma distinção entre leis naturais e estatutos humanos, mas incluíram regras de conduta humana que consideravam universais – como veneração a Deus e obediência aos pais – na categoria de leis naturais. Por outro lado, descreviam processos físicos em termos legais e acreditavam na necessidade da obrigatoriedade, mesmo que os objetos que “obedecessem” às leis fossem inanimados. Se você acha difícil um ser humano respeitar as leis do trânsito, imagine convencer um asteróide a descrever uma elipse.
Essa tradição continuou a influenciar os pensadores por vários séculos após os gregos. No século XIII, o filósofo cristão Tomás de Aquino (c.1225-1274) adotou essa postura para provar a existência de Deus: “É claro que [os corpos inanimados] atingem seus fins não pelo acaso, mas pela intenção... Há, portanto, um ser inteligente pessoal pelo qual tudo é ordenado conforme o seu fim.” Mesmo muito mais tarde, no século XVI, o grande astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630) acreditava que os planetas tinham percepção sensorial e seguiam leis de movimento apreendidas por suas “mentes”.
A noção de que as leis da natureza devem ser obedecidas intencionalmente reflete a ênfase dos pensadores mais antigos na razão pela qual a natureza se comporta assim, em vez de na maneira como ela se comporta. Aristóteles foi um dos principais proponentes dessa abordagem, rejeitando a idéia de que a ciência baseava-se principalmente na observação. De qualquer modo, observações precisas e cálculos matemáticos elaborados eram difíceis nos tempos antigos. A notação decimal, que achamos tão conveniente para a aritmética, data de apenas 700 d.C., quando os indianos deram os primeiros grandes passos para torná-la uma poderosa ferramenta. As abreviaturas para adições e subtrações surgiram somente no século XV. E nem o sinal de igual, nem relógios que pudessem medir o tempo em escalas de segundos existiam antes do século XVI.
Aristóteles, contudo, não tinha nenhum problema em enxergar a mensuração e o cálculo como empecilhos para o desenvolvimento de uma física que pudesse produzir previsões quantitativas. Na verdade, ele não via nenhuma necessidade delas. Ao contrário, Aristóteles construiu sua física sob princípios atraentes para ele do ponto de vista intelectual. Suprimiu fatos que lhe pareciam desinteressantes e focou seus esforços nas razões pelas quais as coisas ocorrem, com relativamente pouco investimento em detalhar exatamente o que estava acontecendo. Na realidade, Aristóteles ajustava suas conclusões quando o flagrante desacordo destas com as observações não mais podia ser ignorado. Mas esses ajustes em geral eram explicações ad hoc, que apenas tentavam acobertar as contradições. Desse modo, não importava qual fosse a gravidade dos desvios de sua teoria em relação aos fatos, ele sempre poderia alterá-la apenas o suficiente para remover os conflitos. Por exemplo, sua teoria do movimento especificava que os corpos pesados caem com uma velocidade proporcional ao seu peso. Para explicar o fato de que os objetos claramente ganham velocidade à medida que caem, inventou um novo princípio – o de que os corpos deslocam-se com mais entusiasmo e, portanto, aceleram à medida que se aproximam de seu local natural de repouso, uma proposição que atualmente seria mais adequada pare descrever alguns indivíduos do que objetos inanimados. Embora as teorias de Aristóteles tivessem pouco poder preditivo, sua abordagem científica dominou o pensamento do Ocidente por quase dois mil anos.
Os sucessos cristãos dos gregos rejeitaram a idéia de que o universo fosse governado por leis naturais indiferentes. Também rejeitaram a idéia de que os seres humanos não ocupassem um lugar privilegiado dentro desse universo. Embora durante todo o período medieval não houvesse um sistema filosófico coerente e único, um tema comum era de que o universo era a casa de bonecas de Deus, e que o estudo da religião era muito mais nobre do que o dos fenômenos naturais. De fato, em 1277, o bispo Tempier de Paris, seguindo as instruções do papa João XXI, publicou uma lista de 219 erros ou heresias que deveriam ser condenadas. Entre as heresias consta aquela de que a natureza segue leis, porque isso entra em conflito com a onipotência de Deus. Curiosamente, o papa João XXI foi morto pelos efeitos da lei da gravidade poucos meses depois, quando o teto do seu palácio desmoronou sobre ele.
O conceito moderno de leis naturais emergiu no século XVII. Kepler parece ter sido o primeiro a compreender o termo no sentido da ciência moderna, embora, como vimos acima, retivesse uma visão animista dos objetos físicos. Galileu (1564-1642) não usa o termo “lei” em seus escritos de teor mais científico (embora ela apareça em algumas traduções de suas obras). Todavia, quer empregue ou não a palavra, Galileu realmente descobriu muitas grandes leis, defendendo os importantes princípios de que a observação é a base da ciência e de que o propósito da ciência é investigar as relações quantitativas existentes entre os fenômenos físicos. Mas quem primeiramente formulou explícita e rigorosamente o conceito de leis naturais como agora as entendemos foi René Descartes (1596-1650).
Diz a lenda que a primeira formulação matemática do que denominaríamos hoje uma lei da natureza foi devida ao jônico Pitágoras (c.580-c.490 a.C.), famoso pelo teorema que recebe o seu nome: em um triângulo retângulo, o quadrado da hipotenusa (o lado maior) é igual à soma dos quadrados dos catetos (os lados menores). Atribui-se a Pitágoras a descoberta da relação numérica entre o comprimento das cordas dos instrumentos musicais e as combinações harmônicas dos sons. Em linguagem contemporânea, descreveríamos esta relação dizendo que a freqüência – número de vibrações por segundo – de uma corda vibrante sob tensão fixa é inversamente proporcional ao comprimento da corda. Do ponto de vista prático, isso explica por que um baixo deve ter cordas mais longas do que uma guitarra comum. Pitágoras provavelmente não descobriu a lei das cordas vibrantes – ele também não descobriu o teorema que leva o seu nome -, mas há evidência de que se conhecia alguma relação entre o comprimento da corda e a altura do som na sua época. Nesse caso, poderíamos dizer que essa fórmula matemática simples é o primeiro exemplo do que conhecemos hoje em dia como física teórica.
Além da lei das cordas de Pitágoras, as únicas leis físicas formuladas corretamente na Antiguidade foram as três leis de Arquimedes (c.287-c.212 a.C.), de longe o maior físico da Antiguidade. Em terminologia atual, a lei da alavanca explica que pequenas forças podem levantar grandes pesos porque a alavanca amplifica uma força de acordo com a razão das distâncias ao seu ponto de apoio. A lei do empuxo afirma que qualquer objeto imerso experimenta uma força para cima igual ao peso do líquido deslocado. E a lei da reflexão estabelece que o ângulo entre um feixe de luz e um espelho é igual ao ângulo entre o espelho e o feixe refletido. Mas Arquimedes não chamava essas asserções de leis, nem as explicava com base na observação e na mensuração. Em vez disso, tratava-as como teoremas puramente matemáticos, dentro de um sistema axiomático muito semelhante ao de Euclides para a geometria.
Além da lei das cordas de Pitágoras, as únicas leis físicas formuladas corretamente na Antiguidade foram as três leis de Arquimedes (c.287-c.212 a.C.), de longe o maior físico da Antiguidade. Em terminologia atual, a lei da alavanca explica que pequenas forças podem levantar grandes pesos porque a alavanca amplifica uma força de acordo com a razão das distâncias ao seu ponto de apoio. A lei do empuxo afirma que qualquer objeto imerso experimenta uma força para cima igual ao peso do líquido deslocado. E a lei da reflexão estabelece que o ângulo entre um feixe de luz e um espelho é igual ao ângulo entre o espelho e o feixe refletido. Mas Arquimedes não chamava essas asserções de leis, nem as explicava com base na observação e na mensuração. Em vez disso, tratava-as como teoremas puramente matemáticos, dentro de um sistema axiomático muito semelhante ao de Euclides para a geometria.
Com a difusão da influência jônica, surgiram outras visões de um universo possuidor de uma ordem interna, que poderia ser apreendida através da observação e da razão. Anaximandro (c.160-c.546 a.C.), amigo e possivelmente aluno de Tales, argumentava que, como os bebês são indefesos ao nascerem, se os primeiros humanos tivessem aparecido na terra como bebês, não teriam sobrevivido. Naquilo que pode ser, na história humana, a primeira alusão à evolução, Anaximandro deduziu que deveríamos ter evoluído de outros animais, cujos filhotes fossem mais resistentes. Na Sicília, Empédocles (c.490-c.430 a.C.) observou o uso de um instrumento chamado clepsidra. Algumas vezes utilizado como uma concha, consistia em uma esfera com um gargalo aberto e pequenos furos no fundo. Ao ser imersa na água, a clepsidra se preenchia, e se o gargalo fosse tampado, era possível retirá-la sem que a água em seu interior escoasse pelos furos. Empédocles notou que, se o gargalo fosse coberto antes de a clepsidra ser imersa, ela não se encheria de água. Ele concluiu que algo invisível devia evitar que a água entrasse na esfera pelos furos – ele havia descoberto a substância material que conhecemos como ar.
Mais ou menos na mesma época, numa colônia jônica no norte da Grécia, Demócrito (c.460-c.370 a.C.) indagava-se sobre o que aconteceria se um objeto fosse partido ou cortado em pedaços cada vez menores. Ele concluiu que este processo não poderia ser levado a cabo indefinidamente. Em vez disso, postulou que tudo, incluindo os seres vivos, é constituído por partículas fundamentais que não podem ser cortadas ou divididas em partes. Demócrito denominou essas partículas últimas de átomos, segundo o adjetivo grego significando “o que não pode ser cortado”. Ele acreditava que todo fenômeno material é o produto da colisão de átomos. Nessa visão, intitulada atomismo, todos os átomos movem-se no espaço, e, se não forem perturbados, prosseguirão em sua trajetória indefinidamente. Hoje em dia, essa idéia é denominada lei da inércia.
A idéia revolucionária de que somos apenas habitantes comuns do universo, e não seres privilegiados pelo fato de estarmos no seu centro, foi primeiro advogada por Aristarco (c.310-c.230 a.C.), um dos últimos cientistas jônicos. Apenas um de seus cálculos sobrevive, uma análise geométrica complexa de observações cuidadosas que ele realizou da sombra da Terra projetada sobre a Lua durante um eclipse lunar. A partir de seus dados, concluiu que o Sol é muito maior do que a Terra. Talvez inspirado pela idéia de que objetos minúsculos deveriam orbitar objetos colossais e não o contrário, tornou-se o primeiro a sustentar que a Terra não é o centro do sistema planetário, mas que ela e os outros planetas orbitam o Sol, que é muito maior. Uma vez que se perceba que a Terra é apenas mais um planeta, basta um pequeno passo para a conclusão de que o nosso sol também não tem nada de especial. Aristarco suspeitava de que fosse esse o caso, e acreditava que as estrelas que vemos no céu à noite na realidade nada mais são que sóis distantes.
Os jônicos representavam apenas uma das muitas escolas de filosofia grega antiga, cada uma com tradições distintas e frequentemente contraditórias. Infelizmente, a visão jônica da natureza – segundo a qual ela poderia ser explicada por leis gerais e reduzida a um conjunto simples de princípios – exerceu uma poderosa influência por apenas uns poucos séculos. Uma razão é que as teorias jônicas muitas vezes pareciam não comportar a noção de livre-arbítrio ou propósito, ou o conceito de que os deuses intervissem nas obras da natureza. Essas omissões eram chocantes e causavam um profundo mal-estar para muitos pensadores gregos, do mesmo modo que para tantas pessoas hoje em dia. O filósofo Epicuro (341-270 a.C.), por exemplo, opunha-se ao atomismo, pois seria “melhor seguir os mitos sobre os deuses do que se tornar um escravo do destino dos filósofos naturais”. Aristóteles também rejeitava o conceito de átomos porque não podia aceitar que seres humanos fossem compostos por objetos inanimados, desprovidos de alma. A idéia jônica de que o universo não é centrado no homem foi um marco para o nosso entendimento do cosmos, mas foi descartada e não mais adotada ou aceita até Galileu, quase vinte séculos depois.
Apesar do magnífico insight de algumas de suas especulações sobre a natureza, a maioria das idéias dos antigos gregos não poderia ter o status de ciência válida nos tempos modernos. Primeiramente, como os gregos não haviam inventado o método científico, suas teorias não foram elaboradas visando a verificação experimental. Assim, se um estudioso afirmasse que um átomo se moveria em linha reta até colidir com um segundo átomo e outro pensador sustentasse que o átomo se moveria em linha reta até se chocar com um ciclope, não haveria um meio objetivo de se determinar quem estava com a razão. Além disso, não havia uma distinção clara entre leis naturais e humanas. No século V a.C., por exemplo, Anaximandro escreveu que todas as coisas procedem de uma substância primária e retornam a ela, ou “pagarão penitência e serão julgadas por sua iniqüidade”. E, de acordo com o filósofo jônico Heráclito (c.535-c.475 a.C.), o Sol comporta-se como tal pois, em caso contrário, os deuses o abateriam. Séculos mais tarde, os estóicos, uma escola filosófica grega que surgiu no século III a.C., estabeleceram uma distinção entre leis naturais e estatutos humanos, mas incluíram regras de conduta humana que consideravam universais – como veneração a Deus e obediência aos pais – na categoria de leis naturais. Por outro lado, descreviam processos físicos em termos legais e acreditavam na necessidade da obrigatoriedade, mesmo que os objetos que “obedecessem” às leis fossem inanimados. Se você acha difícil um ser humano respeitar as leis do trânsito, imagine convencer um asteróide a descrever uma elipse.
Essa tradição continuou a influenciar os pensadores por vários séculos após os gregos. No século XIII, o filósofo cristão Tomás de Aquino (c.1225-1274) adotou essa postura para provar a existência de Deus: “É claro que [os corpos inanimados] atingem seus fins não pelo acaso, mas pela intenção... Há, portanto, um ser inteligente pessoal pelo qual tudo é ordenado conforme o seu fim.” Mesmo muito mais tarde, no século XVI, o grande astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630) acreditava que os planetas tinham percepção sensorial e seguiam leis de movimento apreendidas por suas “mentes”.
A noção de que as leis da natureza devem ser obedecidas intencionalmente reflete a ênfase dos pensadores mais antigos na razão pela qual a natureza se comporta assim, em vez de na maneira como ela se comporta. Aristóteles foi um dos principais proponentes dessa abordagem, rejeitando a idéia de que a ciência baseava-se principalmente na observação. De qualquer modo, observações precisas e cálculos matemáticos elaborados eram difíceis nos tempos antigos. A notação decimal, que achamos tão conveniente para a aritmética, data de apenas 700 d.C., quando os indianos deram os primeiros grandes passos para torná-la uma poderosa ferramenta. As abreviaturas para adições e subtrações surgiram somente no século XV. E nem o sinal de igual, nem relógios que pudessem medir o tempo em escalas de segundos existiam antes do século XVI.
Aristóteles, contudo, não tinha nenhum problema em enxergar a mensuração e o cálculo como empecilhos para o desenvolvimento de uma física que pudesse produzir previsões quantitativas. Na verdade, ele não via nenhuma necessidade delas. Ao contrário, Aristóteles construiu sua física sob princípios atraentes para ele do ponto de vista intelectual. Suprimiu fatos que lhe pareciam desinteressantes e focou seus esforços nas razões pelas quais as coisas ocorrem, com relativamente pouco investimento em detalhar exatamente o que estava acontecendo. Na realidade, Aristóteles ajustava suas conclusões quando o flagrante desacordo destas com as observações não mais podia ser ignorado. Mas esses ajustes em geral eram explicações ad hoc, que apenas tentavam acobertar as contradições. Desse modo, não importava qual fosse a gravidade dos desvios de sua teoria em relação aos fatos, ele sempre poderia alterá-la apenas o suficiente para remover os conflitos. Por exemplo, sua teoria do movimento especificava que os corpos pesados caem com uma velocidade proporcional ao seu peso. Para explicar o fato de que os objetos claramente ganham velocidade à medida que caem, inventou um novo princípio – o de que os corpos deslocam-se com mais entusiasmo e, portanto, aceleram à medida que se aproximam de seu local natural de repouso, uma proposição que atualmente seria mais adequada pare descrever alguns indivíduos do que objetos inanimados. Embora as teorias de Aristóteles tivessem pouco poder preditivo, sua abordagem científica dominou o pensamento do Ocidente por quase dois mil anos.
Os sucessos cristãos dos gregos rejeitaram a idéia de que o universo fosse governado por leis naturais indiferentes. Também rejeitaram a idéia de que os seres humanos não ocupassem um lugar privilegiado dentro desse universo. Embora durante todo o período medieval não houvesse um sistema filosófico coerente e único, um tema comum era de que o universo era a casa de bonecas de Deus, e que o estudo da religião era muito mais nobre do que o dos fenômenos naturais. De fato, em 1277, o bispo Tempier de Paris, seguindo as instruções do papa João XXI, publicou uma lista de 219 erros ou heresias que deveriam ser condenadas. Entre as heresias consta aquela de que a natureza segue leis, porque isso entra em conflito com a onipotência de Deus. Curiosamente, o papa João XXI foi morto pelos efeitos da lei da gravidade poucos meses depois, quando o teto do seu palácio desmoronou sobre ele.
O conceito moderno de leis naturais emergiu no século XVII. Kepler parece ter sido o primeiro a compreender o termo no sentido da ciência moderna, embora, como vimos acima, retivesse uma visão animista dos objetos físicos. Galileu (1564-1642) não usa o termo “lei” em seus escritos de teor mais científico (embora ela apareça em algumas traduções de suas obras). Todavia, quer empregue ou não a palavra, Galileu realmente descobriu muitas grandes leis, defendendo os importantes princípios de que a observação é a base da ciência e de que o propósito da ciência é investigar as relações quantitativas existentes entre os fenômenos físicos. Mas quem primeiramente formulou explícita e rigorosamente o conceito de leis naturais como agora as entendemos foi René Descartes (1596-1650).
“Se eu aprendi alguma coisa durante meu longo reinado, é que o calor sobe.”
Descartes acreditava que todos os fenômenos físicos podiam ser explicados em termos de colisões de massas em movimento, que era governadas por três leis – as precursoras das famosas leis do movimento de Newton. Sustentava que essas leis naturais eram válidas em qualquer tempo e local, e assinalava explicitamente que a obediência a estas leis não implica que os corpos em movimento tivessem mentes. Descartes também compreendeu a importância do que chamamos hoje de “condições iniciais”. Estas descrevem o estado de um sistema no início de um intervalo de tempo especificado ao longo do qual buscamos fazer previsões. Dado um conjunto de condições iniciais, as leis da natureza determinam como um sistema irá evoluir no tempo, mas sem esse conjunto a evolução do sistema não pode ser especificada. Se, por exemplo, num instante zero, um pombo exatamente acima de nós solta alguma coisa, a trajetória do objeto em queda é determinada pelas leis de Newton. Mas o resultado será muito diferente se, no instante zero, o pombo estiver empoleirado em um cabo elétrico ou voando a trinta quilômetros por hora. Para aplicar as leis da física, deve-se saber como o sistema começou, ou ao menos seu estado em algum instante definido. (Pode-se também utilizar essas leis para retroceder um sistema no tempo.)
Com a crença renovada na existência das leis naturais, surgiram novas tentativas de reconciliar essas leis com o conceito divino. Segundo Descartes, Deus poderia alterar à vontade a verdade ou falsidade de proposições éticas ou teoremas matemáticos, mas não a natureza. Ele acreditava que Deus ordenou as leis na natureza mas que não tinha escolha em relação a elas; antes, selecionou-as porque as lei que experimentamos são as únicas leis possíveis. Isto parece uma imposição sobre a autoridade divina, mas Descartes contornava essa dificuldade argumentando que as leis são inalteráveis porque são um reflexo da própria natureza intrínseca de Deus. Se isso fosse verdadeiro, poderíamos conjeturar que Deus teria a escolha de criar uma variedade de mundos distintos, cada um correspondendo a um diferente conjunto de condições iniciais, mas Descartes negava essa hipótese. Não importa qual fosse o arranjo da matéria no começo do universo, argumentava ele, após um tempo ela evoluiria para um mundo idêntico ao nosso. Ademais, acreditava Descartes, uma vez que Deus colocasse o mundo em funcionamento, ele o deixaria por contra própria.
Uma posição similar (com algumas exceções) foi adotada por Newton (1643-1727). Foi Newton quem conquistou a ampla aceitação do conceito moderno de lei científica com suas três leis do movimento e sua lei da gravitação universal, que reproduzia as órbitas da Terra, da Lua e dos planetas e explicava fenômenos como as marés. O punhado de equações que ele criou e o elaborado instrumental matemático delas derivado são ensinado ainda hoje e empregados quando um arquiteto desenha um edifício, um engenheiro projeta um carro, ou um físico calcula como fazer com que uma espaçonave pouse em Marte. Como disse o poeta Alexander Pope:
A Natureza e as leis da Natureza ocultavam-se nas trevas;
Deus disse “Haja Newton!” e tudo se fez luz.
Atualmente, a maioria dos cientistas diria que uma lei natural é uma regra com base em alguma regularidade observada e que fornece previsões que vão além das situações imediatas das quais ela deriva. Por exemplo, podemos perceber que o Sol nasce no leste todas as manhãs da nossa vida, e postular a lei “O Sol sempre nasce no leste”. Trata-se de uma generalização que vai além de nossas observações limitadas do sol nascente e faz previsões testáveis sobre o futuro. Por outro lado, uma afirmação como “Os computadores deste escritório são pretos” não é uma lei natural porque ela se refere apenas aos computadores dentro do escritório e não faz previsões como “se meu escritório comprar um novo computador, ele será preto”.
A compreensão moderna do tempo “lei natural” é tópico amplamente debatido pelos filósofos, e é muito mais sutil do que parece à primeira vista. Por exemplo, o filósofo John W. Carroll comparou a afirmação “Todas as esferas de ouro têm menos de uma milha de diâmetro” com a afirmação “Todas as esferas de urânio-235 têm menos de uma milha de diâmetro”. Nossas observações do mundo nos dizem que não há esferas de ouro maiores que uma milha de diâmetro, e podemos crer, com razoável confiança, que nunca haverá. Contudo, não há uma razão fundamental para acreditar que elas não poderiam ser maiores, e assim essa afirmação não pode ser considerada uma lei. Por outro lado, a afirmação “Todas as esferas de urânio-235 têm menos de uma milha de diâmetro” pode ser aceita como uma lei natural porque, de acordo com o que conhecemos de física nuclear, se uma esfera de urânio-235 ultrapassar um diâmetro de cerca de quinze centímetros, ela é detonada numa explosão nuclear. Assim podemos ter certeza de que tais esferas não existem. (Nem seria uma boa idéia tentar fazer uma!) Essa distinção é essencial porque ilustra que nem todas as generalizações que fazemos a partir das observações podem ser consideradas leis naturais, e que a maior parte das leis naturais existe como parte de um sistema interconectado de leis mais abrangente.
Na ciência moderna, as leis naturais são em geral expressas matematicamente. Elas podem ser exatas ou aproximadas, mas devem ser válidas sem exceção – se não universalmente, ao menos sob um conjunto de condições estipulado. Por exemplo, agora sabemos que as leis de Newton precisam ser modificadas quando os objetos se movem com velocidades próximas à da luz. Porém, ainda consideramos que as leis de Newton sejam leis porque são válidas, ao menos para uma aproximação muito boa, nas condições do mundo quotidiano, no qual encontramos velocidades muito abaixo da velocidade da luz.
Se a natureza é governada por leis, surgem três questões:
1. Qual a origem das leis?
2. Há quaisquer exceções às leis, isto é, milagres?
3. Há somente um único conjunto possível de leis?
Essas questões de suma importância foram abordadas de maneiras diversas por cientistas, filósofos e teólogos. A resposta tradicional para a primeira delas – a resposta de Kepler, Galileu, Descartes e Newton – era que as leis são a obra de Deus. Contudo, nesse caso, trata-se apenas de uma definição de Deus como a encarnação das leis naturais. A não ser que se admita que Deus tenha outros atributos, por exemplo, como sendo o Deus do Antigo Testamento, empregar Deus como à primeira questão simplesmente substitui um mistério por outro. Assim, se incluirmos Deus na resposta à primeira questão, a segunda questão torna-se decisiva: há milagres, exceções às leis?
As opiniões se dividem dramaticamente em relação à resposta da segunda questão. Platão e Aristóteles, os pensadores mais influentes da Grécia antiga, sustentavam que não pode haver exceções às leis. Mas, segundo o relato bíblico, Deus não somente criou as leis como também está aberto a apelos pela oração para abrir exceções – curar doentes terminais, acabar prematuramente com secas ou elevar o críquete à categoria de esporte olímpico. Em oposição ao ponto de vista de Descartes, quase todos os pensadores cristãos defendiam que Deus é capaz de suspender as leis naturais para operar milagres. Mesmo Newton acreditava em milagres de alguma espécie. Ele pensava que as órbitas dos planetas seriam instáveis porque a atração gravitacional entre eles causaria perturbações orbitais que cresceriam com o tempo, resultando ou na queda do planeta no Sol ou em sua ejeção para fora do sistema solar. Deus deveria reajustar as órbitas continuamente, ou “dar corda no relógio cósmico, senão ele pararia”. Contudo, Pierre-Simon, o marquês de Laplace (1749-1827) ou simplesmente Laplace, argumentava que as perturbações seriam periódicas, ou seja, caracterizadas por ciclos, em lugar de serem acumulativas. O seu sistema solar se reajustaria por contra própria, sem a necessidade de intervenção divina para explicar por que ele sobreviveu até hoje.
Em geral, atribui-se a Laplace a primeira formulação clara do determinismo científico: considerando-se o estado do universo em um dado momento, um conjunto completo de leis determina totalmente tanto o futuro como o passado. Assim se exclui a possibilidade de milagres ou de um papel ativo de Deus. O determinismo científico postulado por Laplace constitui a resposta do cientista moderno á questão número dois. Ela é, de fato, a base de toda a ciência moderna, e um princípio fundamental ao longo deste blog. Uma lei científica não é uma lei científica se só é válida quando um ser sobrenatural decide não intervir. Reconhecendo isso, Napoleão teria perguntado a Laplace como Deus se encaixava em seu esquema. Laplace respondeu: “Senhor, não precisei dessa hipótese.”
Com a crença renovada na existência das leis naturais, surgiram novas tentativas de reconciliar essas leis com o conceito divino. Segundo Descartes, Deus poderia alterar à vontade a verdade ou falsidade de proposições éticas ou teoremas matemáticos, mas não a natureza. Ele acreditava que Deus ordenou as leis na natureza mas que não tinha escolha em relação a elas; antes, selecionou-as porque as lei que experimentamos são as únicas leis possíveis. Isto parece uma imposição sobre a autoridade divina, mas Descartes contornava essa dificuldade argumentando que as leis são inalteráveis porque são um reflexo da própria natureza intrínseca de Deus. Se isso fosse verdadeiro, poderíamos conjeturar que Deus teria a escolha de criar uma variedade de mundos distintos, cada um correspondendo a um diferente conjunto de condições iniciais, mas Descartes negava essa hipótese. Não importa qual fosse o arranjo da matéria no começo do universo, argumentava ele, após um tempo ela evoluiria para um mundo idêntico ao nosso. Ademais, acreditava Descartes, uma vez que Deus colocasse o mundo em funcionamento, ele o deixaria por contra própria.
Uma posição similar (com algumas exceções) foi adotada por Newton (1643-1727). Foi Newton quem conquistou a ampla aceitação do conceito moderno de lei científica com suas três leis do movimento e sua lei da gravitação universal, que reproduzia as órbitas da Terra, da Lua e dos planetas e explicava fenômenos como as marés. O punhado de equações que ele criou e o elaborado instrumental matemático delas derivado são ensinado ainda hoje e empregados quando um arquiteto desenha um edifício, um engenheiro projeta um carro, ou um físico calcula como fazer com que uma espaçonave pouse em Marte. Como disse o poeta Alexander Pope:
A Natureza e as leis da Natureza ocultavam-se nas trevas;
Deus disse “Haja Newton!” e tudo se fez luz.
Atualmente, a maioria dos cientistas diria que uma lei natural é uma regra com base em alguma regularidade observada e que fornece previsões que vão além das situações imediatas das quais ela deriva. Por exemplo, podemos perceber que o Sol nasce no leste todas as manhãs da nossa vida, e postular a lei “O Sol sempre nasce no leste”. Trata-se de uma generalização que vai além de nossas observações limitadas do sol nascente e faz previsões testáveis sobre o futuro. Por outro lado, uma afirmação como “Os computadores deste escritório são pretos” não é uma lei natural porque ela se refere apenas aos computadores dentro do escritório e não faz previsões como “se meu escritório comprar um novo computador, ele será preto”.
A compreensão moderna do tempo “lei natural” é tópico amplamente debatido pelos filósofos, e é muito mais sutil do que parece à primeira vista. Por exemplo, o filósofo John W. Carroll comparou a afirmação “Todas as esferas de ouro têm menos de uma milha de diâmetro” com a afirmação “Todas as esferas de urânio-235 têm menos de uma milha de diâmetro”. Nossas observações do mundo nos dizem que não há esferas de ouro maiores que uma milha de diâmetro, e podemos crer, com razoável confiança, que nunca haverá. Contudo, não há uma razão fundamental para acreditar que elas não poderiam ser maiores, e assim essa afirmação não pode ser considerada uma lei. Por outro lado, a afirmação “Todas as esferas de urânio-235 têm menos de uma milha de diâmetro” pode ser aceita como uma lei natural porque, de acordo com o que conhecemos de física nuclear, se uma esfera de urânio-235 ultrapassar um diâmetro de cerca de quinze centímetros, ela é detonada numa explosão nuclear. Assim podemos ter certeza de que tais esferas não existem. (Nem seria uma boa idéia tentar fazer uma!) Essa distinção é essencial porque ilustra que nem todas as generalizações que fazemos a partir das observações podem ser consideradas leis naturais, e que a maior parte das leis naturais existe como parte de um sistema interconectado de leis mais abrangente.
Na ciência moderna, as leis naturais são em geral expressas matematicamente. Elas podem ser exatas ou aproximadas, mas devem ser válidas sem exceção – se não universalmente, ao menos sob um conjunto de condições estipulado. Por exemplo, agora sabemos que as leis de Newton precisam ser modificadas quando os objetos se movem com velocidades próximas à da luz. Porém, ainda consideramos que as leis de Newton sejam leis porque são válidas, ao menos para uma aproximação muito boa, nas condições do mundo quotidiano, no qual encontramos velocidades muito abaixo da velocidade da luz.
Se a natureza é governada por leis, surgem três questões:
1. Qual a origem das leis?
2. Há quaisquer exceções às leis, isto é, milagres?
3. Há somente um único conjunto possível de leis?
Essas questões de suma importância foram abordadas de maneiras diversas por cientistas, filósofos e teólogos. A resposta tradicional para a primeira delas – a resposta de Kepler, Galileu, Descartes e Newton – era que as leis são a obra de Deus. Contudo, nesse caso, trata-se apenas de uma definição de Deus como a encarnação das leis naturais. A não ser que se admita que Deus tenha outros atributos, por exemplo, como sendo o Deus do Antigo Testamento, empregar Deus como à primeira questão simplesmente substitui um mistério por outro. Assim, se incluirmos Deus na resposta à primeira questão, a segunda questão torna-se decisiva: há milagres, exceções às leis?
As opiniões se dividem dramaticamente em relação à resposta da segunda questão. Platão e Aristóteles, os pensadores mais influentes da Grécia antiga, sustentavam que não pode haver exceções às leis. Mas, segundo o relato bíblico, Deus não somente criou as leis como também está aberto a apelos pela oração para abrir exceções – curar doentes terminais, acabar prematuramente com secas ou elevar o críquete à categoria de esporte olímpico. Em oposição ao ponto de vista de Descartes, quase todos os pensadores cristãos defendiam que Deus é capaz de suspender as leis naturais para operar milagres. Mesmo Newton acreditava em milagres de alguma espécie. Ele pensava que as órbitas dos planetas seriam instáveis porque a atração gravitacional entre eles causaria perturbações orbitais que cresceriam com o tempo, resultando ou na queda do planeta no Sol ou em sua ejeção para fora do sistema solar. Deus deveria reajustar as órbitas continuamente, ou “dar corda no relógio cósmico, senão ele pararia”. Contudo, Pierre-Simon, o marquês de Laplace (1749-1827) ou simplesmente Laplace, argumentava que as perturbações seriam periódicas, ou seja, caracterizadas por ciclos, em lugar de serem acumulativas. O seu sistema solar se reajustaria por contra própria, sem a necessidade de intervenção divina para explicar por que ele sobreviveu até hoje.
Em geral, atribui-se a Laplace a primeira formulação clara do determinismo científico: considerando-se o estado do universo em um dado momento, um conjunto completo de leis determina totalmente tanto o futuro como o passado. Assim se exclui a possibilidade de milagres ou de um papel ativo de Deus. O determinismo científico postulado por Laplace constitui a resposta do cientista moderno á questão número dois. Ela é, de fato, a base de toda a ciência moderna, e um princípio fundamental ao longo deste blog. Uma lei científica não é uma lei científica se só é válida quando um ser sobrenatural decide não intervir. Reconhecendo isso, Napoleão teria perguntado a Laplace como Deus se encaixava em seu esquema. Laplace respondeu: “Senhor, não precisei dessa hipótese.”
“Acho que você poderia ser mais explícito aqui na etapa número dois.”
Visto que as pessoas vivem no universo e interagem com objetos dentro dele, o determinismo científico deve valer igualmente para pessoa. Muitos, contudo, mesmo aceitando que o determinismo científico governe processos físicos, abrem uma exceção para o comportamento humano porque acreditam que tenhamos o livre-arbítrio. Descartes, por exemplo, a fim de preservar a idéia do livre-arbítrio, afirmava que a mente humana possuía uma natureza distinta daquela do mundo físico e que não seguia suas leis. Na sua visão, uma pessoa é composta por dois ingredientes – alma e corpo. Os corpos não passam de simples máquinas, mas a alma não é sujeita a leis científicas. Descartes tinha um grande interesse em anatomia e fisiologia e considerava a glândula pineal, um minúsculo órgão localizado no centro do cérebro, como a principal sede de alma. Ele acreditava que essa glândula era o local onde se formavam os pensamentos e era a fonte do livre-arbítrio.
Os seres humanos possuem livre-arbítrio? Se assim for, onde ele se desenvolveu na árvore evolutiva? As cianobactérias e outros microrganismos têm livre-arbítrio ou seu comportamento é automático e confinado ao reino das leis científicas? Apenas organismos multicelulares podem ter livre-arbítrio ou seria ele exclusivo dos mamíferos? Podemos achar que um chimpanzé está exercitando livre-arbítrio quando escolhe descascar uma banana, ou um gato quando rasga nosso sofá, mas e o nematódeo Caenorhadbitis elegans – uma criatura simples constituída por apenas 959 células? Ele provavelmente não pensa: “Essa aí é uma bactéria deliciosa e vou jantá-la agora mesmo.” Porém, ele tem preferência por determinados alimentos, e aceitará uma refeição insípida ou partirá em busca de algo mais palatável, dependendo de sua experiência recente. Trata-se de um exercício do livre-arbítrio?
Embora sintamos que podemos escolher o que fazer, nossa compreensão da base molecular da biologia mostra que os processos biológicos são governados pelas leis da física e da química, e que, portanto, são tão determinísticos quanto as órbitas dos planetas. Experimentos recentes da neurociência dão apoio à visão de que é o nosso cérebro físico, seguindo as leis científicas conhecidas, que determina nossas ações, e não algum agente que exista além dessas leis. Por exemplo, um estudo em pacientes submetidos à cirurgia cerebral enquanto estavam despertos descobriu que, ao estimular eletricamente determinas regiões do cérebro, podia-se criar no paciente o desejo de mover a mão, o braço, o pé, ou mesmo os lábios e falar. É difícil imaginar como o livre-arbítrio poderia operar se nosso comportamento é determinado por leis físicas. Assim parece que somos apenas máquinas biológicas e que o livre-arbítrio não passa de uma ilusão.
Mesmo reconhecendo que o comportamento humano é determina por leis naturais, também parece razoável concluir que o resultado é produzido com tal complexidade e com tantas variáveis que, na prática, é impossível de ser previsto. Para uma previsão correta, seria necessário o conhecimento do estado inicial dos quatrilhões de trilhões de moléculas do corpo humano e resolver-se um número semelhante de equações. Tudo isso levaria alguns bilhões de anos, e então seria um pouco tarde demais para nos desviarmos de um soco.
Como não é pratico utilizar as leis físicas subjacentes para prever o comportamento humano, adotamos o que é chamo de teoria efetiva. Em física, uma teoria efetiva é um quadro criado para fazer modelos de certos fenômenos observados sem descrever em detalhe todos os processos subjacentes. Por exemplo, não podemos resolver exatamente as equações que regem as interações gravitacionais de todos os átomos do corpo de uma pessoa com todos os átomos da Terra. Mas, para todos os fins práticos, a força gravitacional entre uma pessoa e a Terra pode ser descrita em termos de apenas uns poucos números, como a massa total da pessoa. Do mesmo modo, não podemos resolver as equações que regem o comportamento de átomos e moléculas complexas, mas desenvolvemos uma teoria efetiva chamada química, que fornece uma explicação adequada para a maneira como cada átomo e molécula se comporta em reações químicas sem ter que levar em conto cada detalhe das interações. No caso de pessoas, como não podemos resolver as equações que determinam nosso comportamento, adotamos a teoria efetiva de que temos livre-arbítrio. O estudo da nossa vontade e do comportamento que dela decorre constitui a ciência da psicologia. Economia é outra ciência efetiva, fundamentada na noção do livre-arbítrio em conjunto com a suposição de que as pessoas avaliam os possíveis cursos de ação e escolhem o melhor. Esta teoria efetiva tem apenas um êxito moderado na previsão do comportamento porque, como todos nós sabemos, as decisões muitas vezes não são racionais ou são baseadas em análises errôneas das conseqüências dessa escolha. É por isso que o mundo está tão bagunçado.
A terceira questão investiga se as leis que determinam tanto o universo como o comportamento humano são únicas. Se a nossa resposta à primeira questão é que Deus criou as leis, então a terceira questão poderia ser algo como: Deus teve alguma flexibilidade ao criar as leis? Tanto Platão e Aristóteles, como Descartes e, mais tarde, Einstein, acreditavam que os princípios da natureza existiam por “necessidade”, porque eram as únicas regras que faziam sentido logicamente. Devido a essa crença na origem das leis naturais da lógica, Aristóteles e seus seguidores pensavam que seria possível “derivar” essas leis sem dedicar muita atenção ao modo como a natureza de fato se comportava. Assim, a ênfase no porquê de os objetos seguirem regras e não nos detalhes das regras conduziu a muitas leis qualitativas que, com freqüência, estavam erradas e que, de qualquer modo, não eram muitos úteis, muito embora tenham dominado o pensamento científico por vários séculos. Foi apenas bem mais tarde que pensadores como Galileu ousaram desafiar a autoridade de Aristóteles e observar o que a natureza fazia de fato, e não o que a “razão” pura dizia que ela deveria fazer.
Este período do blog é fundamentado no conceito de determinismo científico, o que implica que nossa resposta à segunda questão é que não há milagres ou exceções às leis naturais. Contudo, voltarei a considerar em profundidade as questões um e três, ou seja, como essas leis surgiram e se elas as únicas leis possíveis. Mas primeiramente, no próximo artigo, discutiremos o que as leis naturais descrevem. A maioria dos cientistas diria que elas são o reflexo matemático de uma realidade externa que existe independentemente de seu observador. Mas, ao refletirmos sobre o modo como observamos e formamos conceitos sobre o que nos cerca, deparamo-nos com uma questão: temos realmente razões para acreditar que existe uma realidade objetiva?
1º artigo: O Mistério do Ser
Referência: Readaptação de The Grand Design de Leonard Mlodinow e Stephen Hawking
Os seres humanos possuem livre-arbítrio? Se assim for, onde ele se desenvolveu na árvore evolutiva? As cianobactérias e outros microrganismos têm livre-arbítrio ou seu comportamento é automático e confinado ao reino das leis científicas? Apenas organismos multicelulares podem ter livre-arbítrio ou seria ele exclusivo dos mamíferos? Podemos achar que um chimpanzé está exercitando livre-arbítrio quando escolhe descascar uma banana, ou um gato quando rasga nosso sofá, mas e o nematódeo Caenorhadbitis elegans – uma criatura simples constituída por apenas 959 células? Ele provavelmente não pensa: “Essa aí é uma bactéria deliciosa e vou jantá-la agora mesmo.” Porém, ele tem preferência por determinados alimentos, e aceitará uma refeição insípida ou partirá em busca de algo mais palatável, dependendo de sua experiência recente. Trata-se de um exercício do livre-arbítrio?
Embora sintamos que podemos escolher o que fazer, nossa compreensão da base molecular da biologia mostra que os processos biológicos são governados pelas leis da física e da química, e que, portanto, são tão determinísticos quanto as órbitas dos planetas. Experimentos recentes da neurociência dão apoio à visão de que é o nosso cérebro físico, seguindo as leis científicas conhecidas, que determina nossas ações, e não algum agente que exista além dessas leis. Por exemplo, um estudo em pacientes submetidos à cirurgia cerebral enquanto estavam despertos descobriu que, ao estimular eletricamente determinas regiões do cérebro, podia-se criar no paciente o desejo de mover a mão, o braço, o pé, ou mesmo os lábios e falar. É difícil imaginar como o livre-arbítrio poderia operar se nosso comportamento é determinado por leis físicas. Assim parece que somos apenas máquinas biológicas e que o livre-arbítrio não passa de uma ilusão.
Mesmo reconhecendo que o comportamento humano é determina por leis naturais, também parece razoável concluir que o resultado é produzido com tal complexidade e com tantas variáveis que, na prática, é impossível de ser previsto. Para uma previsão correta, seria necessário o conhecimento do estado inicial dos quatrilhões de trilhões de moléculas do corpo humano e resolver-se um número semelhante de equações. Tudo isso levaria alguns bilhões de anos, e então seria um pouco tarde demais para nos desviarmos de um soco.
Como não é pratico utilizar as leis físicas subjacentes para prever o comportamento humano, adotamos o que é chamo de teoria efetiva. Em física, uma teoria efetiva é um quadro criado para fazer modelos de certos fenômenos observados sem descrever em detalhe todos os processos subjacentes. Por exemplo, não podemos resolver exatamente as equações que regem as interações gravitacionais de todos os átomos do corpo de uma pessoa com todos os átomos da Terra. Mas, para todos os fins práticos, a força gravitacional entre uma pessoa e a Terra pode ser descrita em termos de apenas uns poucos números, como a massa total da pessoa. Do mesmo modo, não podemos resolver as equações que regem o comportamento de átomos e moléculas complexas, mas desenvolvemos uma teoria efetiva chamada química, que fornece uma explicação adequada para a maneira como cada átomo e molécula se comporta em reações químicas sem ter que levar em conto cada detalhe das interações. No caso de pessoas, como não podemos resolver as equações que determinam nosso comportamento, adotamos a teoria efetiva de que temos livre-arbítrio. O estudo da nossa vontade e do comportamento que dela decorre constitui a ciência da psicologia. Economia é outra ciência efetiva, fundamentada na noção do livre-arbítrio em conjunto com a suposição de que as pessoas avaliam os possíveis cursos de ação e escolhem o melhor. Esta teoria efetiva tem apenas um êxito moderado na previsão do comportamento porque, como todos nós sabemos, as decisões muitas vezes não são racionais ou são baseadas em análises errôneas das conseqüências dessa escolha. É por isso que o mundo está tão bagunçado.
A terceira questão investiga se as leis que determinam tanto o universo como o comportamento humano são únicas. Se a nossa resposta à primeira questão é que Deus criou as leis, então a terceira questão poderia ser algo como: Deus teve alguma flexibilidade ao criar as leis? Tanto Platão e Aristóteles, como Descartes e, mais tarde, Einstein, acreditavam que os princípios da natureza existiam por “necessidade”, porque eram as únicas regras que faziam sentido logicamente. Devido a essa crença na origem das leis naturais da lógica, Aristóteles e seus seguidores pensavam que seria possível “derivar” essas leis sem dedicar muita atenção ao modo como a natureza de fato se comportava. Assim, a ênfase no porquê de os objetos seguirem regras e não nos detalhes das regras conduziu a muitas leis qualitativas que, com freqüência, estavam erradas e que, de qualquer modo, não eram muitos úteis, muito embora tenham dominado o pensamento científico por vários séculos. Foi apenas bem mais tarde que pensadores como Galileu ousaram desafiar a autoridade de Aristóteles e observar o que a natureza fazia de fato, e não o que a “razão” pura dizia que ela deveria fazer.
Este período do blog é fundamentado no conceito de determinismo científico, o que implica que nossa resposta à segunda questão é que não há milagres ou exceções às leis naturais. Contudo, voltarei a considerar em profundidade as questões um e três, ou seja, como essas leis surgiram e se elas as únicas leis possíveis. Mas primeiramente, no próximo artigo, discutiremos o que as leis naturais descrevem. A maioria dos cientistas diria que elas são o reflexo matemático de uma realidade externa que existe independentemente de seu observador. Mas, ao refletirmos sobre o modo como observamos e formamos conceitos sobre o que nos cerca, deparamo-nos com uma questão: temos realmente razões para acreditar que existe uma realidade objetiva?
1º artigo: O Mistério do Ser
Referência: Readaptação de The Grand Design de Leonard Mlodinow e Stephen Hawking
Muito legal o texto.
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