domingo, 8 de janeiro de 2012

O Mistério do Ser

Cada um de nós existe apenas por um breve lapso de tempo, durante o qual exploramos apenas uma porção diminuta do universo. Mas o ser humano é uma espécie curiosa. Questionamos, buscamos respostas. Vivendo nesse vasto mundo, ora generoso, ora cruel, e contemplando o céu infinito acima de nós, sempre nos colocamos inúmeras questões: como podemos compreender o mundo no qual nos encontramos? Como se comporta o universo? Qual a natureza da realidade? De onde veio tudo isso? O universo precisou de um criador? A maioria de nós não gasta muito tempo ocupando-se dessas questões, mas quase todos fazemos essas perguntas uma vez ou outra.

Tradicionalmente, essas questões são do âmbito da filosofia, mas a filosofia está morta. Ela não acompanhou os desenvolvimentos modernos da ciência, em particular da física. Os cientistas passaram a portar a tocha da descoberta, em nossa busca pelo conhecimento. O objetivo deste blog é fornecer as respostas sugeridas por recentes descobertas e avanços teóricos. Estes nos levam a uma nova imagem do universo e de nosso lugar dentro dele, uma imagem muito diferente da tradicional, e mesmo diversa daquela que formávamos uma ou duas décadas atrás. Contudo, os primeiros esboços dos novos conceitos remontam a quase um século.

De acordo com a concepção tradicional do universo, os objetos percorrem trajetórias bem definidas e têm histórias exatas. Podemos especificar suas posições precisas em qualquer momento do tempo. Embora essa descrição possa ser aplicada ao que acontece no dia a dia, na década de 1920 descobriu-se que esse cenário “clássico” não explicava o comportamento aparentemente bizarro observado nas escalas atômica e subatômica da existência. Em lugar disso, foi necessário adotar um cenário distinto, a denominada física quântica. As teorias quânticas revelaram-se extremamente precisas em suas previsões de eventos nessas escalas e, ao mesmo tempo, reproduziram os resultados das antigas teorias clássicas quando aplicadas ao mundo macroscópico da vida quotidiana. Porém, a física clássica e a quântica baseiam-se em concepções radicalmente distintas da realidade.



"... E essa é minha filosofia"

As teorias quânticas podem ser formuladas de muitos modos distintos, mas provavelmente a descrição mais intuitiva é aquela de Richard (Dick) Feynman, um sujeito carismático que, além de trabalhar no California Institute of Technology, tocava bongô num bar de striptease nos arredores. Segundo Feynman, um sistema não tem somente uma única história, mas todas as histórias possíveis. Conforme avançamos em nossa busca por respostas, explicarei a abordagem de Feynman em detalhes, empregando-a para explorar a idéia de que o próprio universo não tem uma história única e nem mesmo uma existência independente. Essa parece uma idéia radical, mesmo para muitos físicos. De fato, como muitas noções da ciência contemporânea, ela parece violar o senso comum. Mas o senso comum é baseado na experiência quotidiana e não no universo como revelado pelas maravilhas de tecnologias que nos permitem perscrutar o interior do átomo ou o universo primordial.

Até o advento da física moderna, admitia-se em geral que todo conhecimento do mundo poderia ser obtido através da observação direta, que as coisas eram como elas pareciam, tal como percebidas pelos nossos sentidos. Mas o êxito espetacular da física moderna, baseada em conceitos como aqueles de Feynman, que entram em conflito com a experiência do dia a dia, demonstrou que esse não é o caso. A visão ingênua da realidade simplesmente não é compatível com a física moderna. Para lidar com tais paradoxos, adotaremos uma abordagem que denominamos realismo dependente do modelo, que se fundamenta na idéia de que nossos cérebros interpretam os dados vindos dos órgãos sensoriais elaborando um modelo do mundo. Quando o modelo explica satisfatoriamente os eventos, tendemos a atribuir-lhe, e aos elementos e conceitos que o constituem, a qualidade de realidade ou verdade absoluta. Mas poderia haver outras possibilidades de modelos para a mesma situação física, cada um deles empregando conceitos e elementos fundamentais distintos. Se duas dessas teorias ou modelos físicos prevêem com exatidão os mesmos eventos, não podemos dizer que um seja mais real que o outro, e somos livres para utilizar o modelo que for mais conveniente.

Ao longo da história da ciência, fomos descobrindo uma seqüência de teorias ou modelos cada vez mais aperfeiçoados, desde Platão à teoria clássica de Newton e às modernas teorias quânticas. É natural pergunta-se se essa série acabará por atingir um ponto final, uma teoria final do universo, que inclua todas as forças e preveja todas as observações que possamos fazer, ou se continuaremos descobrindo teorias cada vez melhores, mas nunca uma que não mais possa ser aprimorada. Ainda não há uma resposta definitiva a essa questão, mas agora temos uma candidata ao posto de última teoria de tudo, se é que realmente existe tal teoria, denominada teoria-M. A teoria-M é o único modelo com todas as propriedades que, cremos, deveriam constar numa teoria final. Esta é a teoria sobre a qual basearemos a maior parte das discussões no blog.

A teoria-M não é uma teoria no sentido habitual do termo, mas toda uma família de teorias distintas, cada qual fornecendo uma boa descrição das observações, mas somente para um determinado domínio de situações físicas. É algo semelhante a um mapa. A projeção de Mercator, normalmente utilizada nos mapas-múndi, faz com que as áreas da Terra pareçam cada vez maiores na medida em que se afaste do equador, e não cobre os pólos norte ou sul. Para representar fielmente a Terra toda, deve-se utilizar uma coleção de mapas, cada um dos quais cobrindo uma região limitada. Os mapas se superpõem, e onde eles o fazem, mostram a mesma paisagem. A teoria-M é similar. As múltiplas teorias da família da teoria-M podem parecer muito distintas, mas todas elas podem ser consideradas aspectos da mesma teoria subjacente. São versões da teoria aplicáveis somente em domínios limitados – por exemplo, quando certas quantidades, como a energia, são pequenas. Do mesmo modo que acontece quando os mapas se superpõem numa projeção de Mercator, onde os domínios de validade das diferentes teorias se superpõem, elas prevêem os mesmos fenômenos. Mas, assim como não há nenhum mapa plano que represente bem toda a superfície terrestre, tampouco há uma teoria única que seja uma boa representação das observações em todas as situações.

Descreverei como a teoria-M pode oferecer respostas à questão da criação. Segundo a teoria-M, nosso universo não é o único; antes, ela prevê que muitíssimos universos foram criados do nada. Sua criação não requer a intervenção de nenhum ser sobrenatural ou Deus. Em vez disso, esses múltiplos universos surgem naturalmente da lei física. Constituem uma previsão científica. Cada universo tem muitas histórias possíveis e muitos estados possíveis em instantes posteriores, isto é, em instantes como o presente, muito tempo após sua criação. A maioria desses estados será muito diferente do universo que observamos e será inadequado à existência de qualquer forma de vida. Só pouquíssimos deles permitiram a existência de criaturas como nós. Assim, nossa presença seleciona desse vasto conjunto somente aqueles universos que sejam compatíveis com nossa existência. Ainda que sejamos desprezíveis e insignificantes na escala cósmica, isso faz de nós, em certo sentido, os senhores da criação.


Mapa-múndi. Pode ser necessária uma série de teorias superpostas para representar o universo, do mesmo modo que são necessários vários mapas superpostos para representar a Terra.

Para compreender o universo no nível mais profundo, precisamos saber não somente como ele se comporta, mas também por quê.

Por que há algo em vez de nada?
Por que existimos?
Por que este conjunto particular de leis e não outro?

Esta é a Questão Fundamental da Vida, do Universo e de Tudo Mais. Tentarei respondê-la neste blog. Ao contrário do que propõe O guia do mochileiro das galáxias, a minha resposta não será simplesmente “42”.





Referência: Readaptação de The Grand Design de Leonard Mlodinow e Stephen Hawking

Um comentário:

  1. Simplesmente ótima a sua readaptação.
    Estudo Engenharia, mas essa forma de divulgação científica me fascina.

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